Tecnologia: a chave para o agronegócio sustentável

Como a produtividade impulsionada pela inovação tecnológica se tornou o caminho para o avanço da sustentabilidade no campo.

Tecnologia: a chave para o agronegócio sustentável

O dilema vivido pela agronegócio mundial, que coloca em lados opostos a produção de alimentos e a preservação do meio ambiente, parece ter os seus dias contados. Tudo indica que o setor encontrou a ferramenta ideal para produzir mais consumindo cada vez menos recursos naturais: a tecnologia.

Na chamada “agricultura 4.0”, a adoção de estratégias de gestão e de produção mais tecnológicas permite alcançar os níveis de produtividade desejados sem provocar danos excessivos ao meio ambiente.

O surgimento de ecossistemas ‘agrotecnológicos’ é a grande novidade para um setor que vive singular momento de reinvenção. Sistemas que integram tecnologias e aplicativos capazes de atuar em diversas fases da cadeia produtiva: no planejamento do plantio e da colheita; na preparação do solo e no controle das máquinas; na gestão digitalizada da fazenda e nas estratégias para o escoamento da produção.

É uma nova realidade que traz consigo uma imensa oportunidade para a indústria de TI. Isso porque toda esta carga de dados gerada por sensores (IoT) precisará de uma infraestrutura de TI para processar e integrar os inputs das máquinas, combinando-os com outras fontes de informação – como satélites meteorológicos. Este big data do campo, então, é transformado em insights valiosos para uma gestão mais eficiente do negócio.

Mais além, a aplicação de tecnologias como o edge computing, que leva o processamento para próximo da fazenda, passa a ser fundamental ao eliminar a necessidade de infraestruturas de transmissão mais extensas – uma questão muito sensível em um país com dimensões continentais como as do Brasil.

O caso holandês

Um case mundial de alta produtividade rural atrelada à tecnologia vem da Holanda. O pequeno país do norte da Europa, cuja área agricultável – 10.000 km² – é do tamanho de metade do estado do Sergipe, é um colosso do agronegócio.

Após redefinir os modelos e finalidades das propriedades, apostando em fazendas mais especializadas e absolutamente mais eficientes, os holandeses se tornaram o segundo maior exportador agropecuário do mundo – atrás apenas dos americanos. A mágica se chama alta tecnologia.

Estufas sensorizadas e climatizadas para hortaliças, softwares que regulam a quantidade de água na lavoura, robôs que ordenham vacas. Tudo isso faz parte do dia a dia no campo holandês. Além disso, existe o Food Valey – um polo de inovação em tecnologia de alimentos que reúne 20 instituições e mais de 8 mil cientistas.

A logística do país também é primorosa e ajuda a escoar itens de origem agrícola que, muitas vezes, sequer foram feitos lá. Isso porque a Holanda é um dos países que mais agrega valor aos produtos, comprando-os brutos de outras nações, beneficiando-os e reexportando para o mundo. Exemplo? Cacau. O país não tem um pé sequer desta fruta, mas exportou US$ 5,4 bilhões de chocolates e derivados em 2018.

Mais tech, mais produtivo…

De volta ao Brasil, o Censo Agropecuário de 2017, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), confirma claramente o impacto positivo da tecnologia na produção agrícola do País. O rendimento em quilos por hectare plantado cresceu em todas as principais culturas. Soja, arroz, milho e laranja aumentaram fortemente a produtividade entre 2006 e 2017. A soja, por exemplo, elevou a sua produção em 123% nestes 11 anos. No caso da laranja, mesmo com uma ligeira redução na quantidade de áreas cultivadas, o volume colhido cresceu 29% graças à produtividade em quilos por hectare da fruta, vetor que registrou aumento de 48% no período.

O investimento em máquinas agrícolas mais modernas também cresceu consideravelmente no País, de acordo com o mesmo estudo do IBGE. Entre 2006 e 2017, o número de tratores aumentou 50%; o de semeadeiras 12%; as adubadoras 71%; e a quantidade de colheitadeiras subiu 48%.

É relevante destacar que estes percentuais de aumento da produção por hectare não expõem um detalhe crucial: todo este crescimento vertiginoso não encontrou paridade no alargamento da área agricultável do País, hoje na casa dos 40% do território nacional. No livro “Alimentando o mundo: o surgimento da moderna economia agrícola no Brasil” (2020), o autor Francisco Vidal Luna – professor da Faculdade de Economia e Administração da USP – revela que, entre 1990 e 2019, a produção no campo cresceu 4,5 vezes, enquanto o aumento da área foi de apenas 1,7. Tudo graças aos avanços tecnológicos implementados no setor.

…Mais produtivo, mais verde

O aumento da produtividade sem expansão descontrolada da fronteira agrícola gerou a percepção de que é possível tornar a agropecuária brasileira menos nociva ao meio ambiente por intermédio do uso de novas tecnologias.

Em setembro, durante o 4º Fórum do Agronegócio Sustentável, realizado pelo jornal Folha de São Paulo, especialistas dos setores agrícola, ambiental e de tecnologia chegaram ao consenso de que somente a inovação levada ao campo pode diminuir a devastação das florestas e o consumo excessivo de recursos naturais.

Isso porque torna-se sem propósito o ato de expandir as propriedades se é possível extrair mais delas com o mesmo tamanho. Na agricultura de precisão, a maior eficiência do processo produtivo também reduz o desperdício de insumos e fertilizantes, o que diminui o volume de rejeitos agrícolas na natureza. Já o uso de recursos naturais passa a ser válido apenas quando estritamente necessário.

Essa tomada de consciência tão necessária deve ganhar força a partir de agora, a medida que os próprios mercados consumidores – internos e externos – começam a exigir certificações de origem e controle cada vez mais rigorosas dos produtos agrícolas do País. Algo que obrigará os players do setor a adotarem políticas sustentáveis claras e práticas nas suas companhias.

Terceira onda

Além da melhoria na produtividade e a diminuição do consumo de recursos naturais, a chegada da tecnologia no agronegócio causa também um impacto social positivo.

Com o aumento da renda das fazendas, os investimentos em qualificação da mão de obra e das condições de trabalho têm causado uma retenção dos jovens talentos no campo. Além disso, as oportunidades abertas a profissionais de alta especialização têm provocado um fluxo inverso ao do êxodo rural visto no Brasil nos anos 1970. São profissionais que saem das grandes cidades para trabalhar no interior dos estados, apostando no crescimento irrefreável do agro. Um movimento que só eleva o padrão de vida das cidades interioranas, levando desenvolvimento e melhores serviços a estes locais.

Por fim, após mudar o jeito viver das pessoas e os modelos de produção e negócios da indústria, a tecnologia assume definitivamente o seu papel como agente transformador também no campo. Um processo sem retorno, que vai gerar bilhões de dólares na economia, criar novas profissões e conter o avanço dos danos ao meio ambiente. Uma transformação que, de partida, elege o ser humano como o seu principal beneficiário, seja pelo acesso mais seguro ao alimento, seja por viver em um planeta mais bem cuidado.