Ao final de 2021, o mundo gerou cerca de 2 bilhões de toneladas de lixo conforme levantamento do programa ONUHabitat, das Nações Unidas. O mesmo documento sugere que este volume dobre até o final de 2050, em razão do aumento da produção industrial e agrícola a fim de atender a demanda crescente de consumo. O grande vilão continua sendo o plástico. Só no Brasil, foram 11,5 milhões de toneladas descartadas em 2019. O País é o quarto maior produtor de lixo plástico do mundo, atrás somente da China, EUA e Índia, segundo pesquisa “Solucionar a Poluição Plástica: Transparência e Responsabilização”, do Fundo Mundial para a Natureza (WWF). O impacto negativo do plástico sobre a economia mundial, especialmente em setores como o turismo, pesca e comércio marítimo, supera os US$ 8 bilhões, conforme dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
Ao lado do plástico, o novo “lixo eletrônico” preocupa os ambientalistas. Dados do relatório Global eWaste Monitor 2020 revelam que foram gerados 53,6 milhões de toneladas desse tipo de rejeito – computadores, impressoras, celulares, smartphones, TVs, refrigeradores, máquinas de lavar, etc – em 2019, um recorde histórico. Deste total, apenas 17,4% foram reciclados, revelando que os países ainda não contam com sistemas de coleta e tratamento específicos para este tipo de material.
Por exemplo, o descarte, adaptação e a reutilização inapropriado de geladeiras e aparelhos de ar-condicionado foram responsáveis por cerca de 98 mil de toneladas de CO2 despejadas na atmosfera, o que contribuiu fortemente para o aquecimento global.
Na América Latina, a situação pede atenção: somente 3% de todo o lixo eletrônico produzido pelos 13 países monitorados no estudo da Universidade das Nações Unidas e do UNITAR – o Instituto para Pesquisa e Treinamento da ONU –, recebem coleta e tratamento adequados. O prejuízo financeiro associado a esta carência foi de US$ 1,7 bilhão em matérias primas secundárias de valor – como ouro, cobre, alumínio e metais de terras raras – contidas nestes equipamentos e que poderiam, mas não foram reaproveitadas.
Enfrentamento com tecnologia
Diante deste cenário, o próprio relatório da WWF sugere um pacote de medidas afirmativas para o combate ao descarte inadequado de lixo sólido. Dentre elas estão a implementação de sistemas ecologicamente fundamentados para a gestão de resíduos, a realização do monitoramento origem-destino dos rejeitos – com a identificação dos responsáveis pelos mesmos – e o estabelecimento de planos robustos de ação a nível municipal e regional, bem como mecanismos transparentes de informação a respeito das metas e resultados.
Para tornar a gestão dos resíduos mais eficiente, companhias privadas e órgãos públicos têm utilizado cada vez mais as tecnologias como IoT, robôs com inteligência artificial e plataformas de gestão de dados, para o enfrentamento deste que é considerado um dos principais desafios do século.
Entre as vantagens provenientes desta nova visão estão o aumento do percentual reciclável sobre o volume descartado; mais transparência a processos de cobrança com sistemas “pay-as-you-throw”; melhor identificação sobre o tipo de material utilizado nos produtos para facilitar a triagem e destinação; eliminação do papel nos processos administrativos a partir a digitalização dos registros e procedimentos relativos.
A utilização destas ferramentas tecnológicas ajuda ainda os países a conquistarem um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável elaborado pela ONU – o de número 11, que trata da construção de cidades e assentamentos humanos mais inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.
Conforme demonstrado no relatório European Topic Centre on Waste and Materials in a Green Economy (ETC/WMGE), as tecnologias que mais têm contribuído para um aumento da performance na gestão e capacidade de reciclagem dos resíduos são:
1. Robotização
Avanços em processos de triagem a partir da automação permitem produzir fluxos de resíduos definidos por tipos de materiais e qualidade dos rejeitos, elevando em até 90% a pureza do volume a ser reciclado. São robôs aptos a identificar e separar descartes sólidos a partir de sensores de reconhecimento por imagem, escaneamento de QR Code e sistemas de inteligência artificial que podem ser usados, por exemplo, no desmantelamento de aparelhos eletrônicos e celulares.
2. AI e redes neurais
O machine learning a partir de redes neurais abastecidas por dados ou exemplos de soluções de problemas sem programação prévia, tem sido usado para classificar e definir padrões de reconhecimento dos resíduos, elevando a eficiência da triagem. Máquinas autônomas de varrição de ruas e caminhões de coleta de lixo já utilizam este tipo de recurso.
3. IoT
Sistemas de sensores inteligentes e conectados têm sido implantados em contêineres e cestos de lixo para obter dados em tempo real sobre a temperatura interna dos recipientes, capacidade de espaço utilizada, peso total e nível de odor. Estas informações são enviadas a um centro de dados para determinar a logística ideal de substituição ou esvaziamento destes equipamentos, otimizando o serviço de limpeza.
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5. Data Analytics
A análise de dados realizada em infraestruturas de TI dedicadas cumpre um papel fundamental para a aprimorar processos na indústria de reciclagem e na elaboração de políticas públicas de gestão dos resíduos. Esta tecnologia colabora na identificação de padrões, na descoberta de tendências e na calibragem de modelos de atuação. Este conhecimento é importante para avaliar as diferentes opções e estratégias na busca pela transição para uma economia mais sustentável. Mais diretamente, atua no suporte dos planos de trabalho dos veículos e equipes de limpeza; na avaliação dos sensores necessários para otimizar o gerenciamento de resíduos em plantas industriais, hospitalares ou agrícolas; no controle das usinas de incineração; e na orientação precisa dos drones usados para coletar dados em depósitos de lixo.
Vantagem logística
Com grande potencial, as tecnologias digitais podem ser usadas em quase todas as etapas do processo de gerenciamento de resíduos. E assim como em outros segmentos onde a transformação digital ocorre, elas contribuem para o aumento da performance de processamento, diminuem o consumo de energia e de recursos naturais, além de reduzir os custos operacionais.
No aspecto logístico, por exemplo, estas novas ferramentas têm obtido êxito na organização e agendamento de tarefas, como o envio de equipes de limpeza e veículos para este fim. É a partir dos dados capturados em tempo real por um ecossistema de monitoramento integrado e baseado em tecnologia IoT e data analytics que se consegue determinar quando, onde e como realizar o trabalho de coleta de lixo nos bairros – ou em grandes plantas industriais – com maior eficiência.
Estes dados são essenciais para determinar as estratégias empresariais ou políticas públicas de gestão de resíduos. Dispositivos de IoT implantados em cestos de lixo portáteis ou mesmo nas vassouras das equipes de limpeza urbana, por exemplo, fornecem conhecimento sobre a qualidade do serviço que está sendo prestado. Os mesmos sensores colocados nas caçambas de rua informam quais bairros produzem mais lixo, o volume por fração de tempo e qual a tipificação destes rejeitos.
Observando esta dinâmica nas cidades, plantas industriais ou centros hospitalares, é possível criar fluxos de coleta mais inteligentes, com frequência ajustada à demanda que é determinada pelos dados coletados, evitando o acúmulo de material potencialmente nocivo à saúde dos moradores, funcionários, clientes e ao meio ambiente.
Em ambos os cenários, público ou privado, há um ganho de sustentabilidade sobre o processamento dos resíduos. Identificar padrões, quantidades, periodicidades e tipos de descarte por meio da inteligência de dados colabora para o aumento da capacidade de reciclagem dos materiais, bem como reduz a emissão de carbono a medida que o envio de equipes de coleta e remoção é agendado apenas quando necessário – com os cestos lotados, por exemplo.
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Casos práticos
Diversas cidades do mundo já experimentam os efeitos positivos da tecnologia aplicada para gerenciar o descarte de materiais sólidos. Em San Francisco (EUA), cerca de 80% de todo o lixo produzido por moradores e empresas consegue ser reciclado, evitando o seu envio aos depósitos de rejeitos tradicionais. Este índice foi alcançado graças a uma parceria com a empresa privada Recology, que conta com uma usina de triagem robotizada e considerada a mais moderna do país. Neste facility, longas esteiras carregam o descarte por ambientes onde braços mecânicos inteligentes fazem a separação do plástico, papel, vidro e outros materiais, que acabam compactados e são vendidos para companhias de reciclagem de países como a China, o principal cliente da Recology. Por semana, cerca de 4 mil toneladas de descartes recicláveis são empacotados ali. Nos últimos três anos, a empresa americana investiu US$ 20 milhões na ampliação deste parque robótico de triagem.
Outro case bastante conhecido é do compactador inteligente Big Belly. Fabricado nos EUA, ele conta com sensores internos que monitoram o volume de lixo e, a partir de um determinado nível, comprimem internamente o material, a fim de criar mais espaço. Dessa forma, o Big Belly comporta até cinco vezes mais lixo do que os recipientes comuns, fazendo com que a necessidade de reposição por um contâiner vazio seja drasticamente reduzida. Nas ruas da Filadélfia, onde está em uso, a prefeitura local economiza cerca de US$ 800 mil por ano graças a diminuição da frequência desse serviço de esvaziamento dos cestos. Anteriormente, eram necessárias 17 manutenções por semana, realizadas por três equipes de limpeza urbana. Agora, são apenas 3 intervenções semanais a cargo de um único time de trabalho.
Oportunidade econômica
A mudança no gerenciamento de resíduos cria uma imensa oportunidade de mercado para o setor de tecnologia. Softwares e inovações como veículos autônomos e robôs inteligentes estão sendo desenvolvidos, gerando um novo filão para esta indústria. Além disso, os grandes volumes de dados que serão gerados por estes ecossistemas destinados à gestão do lixo, aumenta a demanda por infraestruturas de TI ágeis, seguras e altamente disponíveis para o processamento e análise deste big data.
No relatório “Waste Management Market – Global Opportunity Analysis and Industry Forecast”, divulgado por Reseach and Markets, o mercado global de gestão de resíduos foi avaliado em US$ 394 bilhões em 2020, com crescimento previsto para alcançar US$ 715 bilhões até 2030. Deste montante, cerca de 10% estarão associados ao desenvolvimento e implantação de smart technologies na gestão dos resíduos sólidos.
Todo este aparato tecnológico, contudo, precisa ter sua vida útil estendida ao máximo, a fim de evitar que se torne um inibidor futuro da própria estratégia de redução do impacto ambiental proveniente do descarte inadequado de materiais. Investir em provedoras de serviços de tecnologia absolutamente cientes desta preocupação passa a ser essencial para o sucesso da transformação digital do segmento.
Também é relevante e indispensável a oportunidade que esta mudança na gestão de resíduos caminhe rumo a economia circular, onde o conceito de “reduzir, reusar e reciclar” substitua a lógica ultrapassada do “coletar, produzir e descartar”, presente ainda hoje em muitas estratégias de negócios. Dados do Banco Mundial indicam que a eliminação ou reciclagem dos rejeitos – plásticos, tecidos, eletrônicos, alimentos – e o uso seguro dos recursos naturais que os originam oferece uma alternativa para gerar US$ 4,5 trilhões em benefícios econômicos até 2030.
A tecnologia aplicada neste segmento também pode estimular um comportamento mais “green” de companhias e pessoas. Chips implantados em produtos e itens de consumo individual ou empresarial que são posteriormente descartados, ajudam a mapear a quantidade e qualidade dos rejeitos, seja a nível doméstico ou industrial. Essa informação, devidamente customizada, retorna ao gerador do resíduo para uma tomada de consciência mais ampla sobre como ele pode contribuir para um planeta com menos lixo ou de que forma é possível ajudar para um processo mais eficiente de reciclagem. Políticas de recompensa devem colaborar ainda mais com esta conveniente mudança de atitude.
Portanto, seja sob o ponto de vista econômico, social ou ambiental, o emprego de tecnologias digitais na gestão de resíduos tem se revelado uma estratégia win-win, onde todos ganham: as cidades, que se tornam mais limpas e com mais qualidade de vida para os seus habitantes; as empresas, que passam a endereçar melhor seus materiais contaminantes; e, sobretudo, o planeta, que aumenta a sua esperança por um futuro mais sustentável.