Em fevereiro, a maior chuva já registrada em 24 horas na história do Brasil deixou 65 vítimas fatais na região de São Sebastião, litoral norte de São Paulo. De imediato, essa catástrofe climática suscitou uma série de discussões sobre como seria possível proteger as populações mais vulneráveis das cidades diante de episódios como aquele e evitar que tragédias semelhantes voltem a ocorrer no País.
Esta é uma preocupação que, aliás, não se restringe à sociedade brasileira. Em todo o mundo, o mesmo sentimento tem crescido em razão dos efeitos do aquecimento global no clima do planeta. Ondas de calor, tempestades violentas, furacões, tornados, inundações devastadoras e períodos longos de estiagem, que reduzem drasticamente a produção de alimentos e resultam em fome, formam um quadro assustador, sobretudo nos países e localidades com menos recursos.
Para enfrentá-lo, é fundamental que estas nações consigam melhorar o padrão de vida dos habitantes de renda mais baixa, aprimorem a infraestrutura urbana e desenvolvam sistemas de resposta mais eficientes para eventos extremos.
Em resumo, é preciso criar resiliência para as cidades diante de catástrofes climáticas. Este conceito foi definido na Conferência Mundial de Redução de Desastres em Kobe, no Japão, em 2005: resume o grau de capacitação que indivíduos, comunidades e organizações públicas e privadas precisam ter para se organizar e aprender com episódios do passado, a fim de reduzir o risco de repetição deles no futuro – seja a nível local, regional, nacional e mundial – e responder a altura do desafio que o planeta tem imposto.
Japão vs. Haiti
Entretanto, construir resiliência demanda investimento e isso tem dividido o planeta em dois blocos: os países com poder financeiro para mudar o curso de sua história e aqueles que seguem à deriva, altamente vulneráveis a novas catástrofes.
Japão e Haiti são dois exemplos dessa divisão. Em março de 2011, o país asiático sofreu com o mais poderoso terremoto de sua história, de magnitude de 9.0, que resultou em um tsunami com ondas de 40 metros, destruindo cidades da costa do Pacífico como Iwate, Miyagi e Fukushima.
Por conta de sua posição geográfica, em uma das bordas do Círculo de Fogo do Pacífico, no encontro de diversas placas tectônicas, o arquipélago japonês é frequentemente atingido por desastres naturais. Um duro e cotidiano aprendizado sobre a necessidade de tornar o país mais resiliente a essas catástrofes.
Particularmente após o último grande terremoto, as autoridades japonesas passaram a se empenhar ainda mais em desenvolver soluções de mitigação. Robustos investimentos públicos em novas tecnologias e parcerias com gigantes da indústria eletrônica têm colocado o país na vanguarda quando o assunto são as “disaster techs”.
A cidade de Sendai, por exemplo, disponibilizou uma esquadrilha de drones robôs para atuar pré e pós um eventual tsunami. Na fase inicial, eles sobrevoam a zona costeira alertando a população para a evacuação urgente. Após o impacto das ondas, os aparelhos – equipados com câmeras infravermelho –, passam a fazer uma busca ativa de sobreviventes nas áreas afetadas, transmitindo imagens e localização em tempo real, diretamente ao centro de gerenciamento de crise da prefeitura.
No município de Okazaki, 39 sensores foram instalados em áreas urbanas com histórico de alagamentos. O sistema detecta com alta precisão eventuais acúmulos de água em dias mais chuvosos, alertando as autoridades da Defesa Civil e de Trânsito para tomar as devidas medidas de proteção.
No distrito de Itabashi, na capital Tóquio, os moradores têm acesso exclusivo a um website que traz informações sobre o clima e o nível do rio que corta o local, permitindo que as pessoas estejam cientes do risco de desastre de forma online e em tempo real.
Por fim, a prefeitura de Kanagawa está testando um aplicativo baseado em inteligência artificial que orienta as pessoas sobre quais ações devem realizar em caso de evacuação, a partir da análise de dados e informações fornecidas pelo serviço meteorológico e Defesa Civil.
No sentido oposto, o Haiti afundou em uma grave crise humanitária desde que um terremoto devastador destruiu a capital, Porto Príncipe, em janeiro de 2010, ceifando 230 mil vidas e deixando um milhão de pessoas desabrigadas.
Um ano após o tremor, de 7.3 graus na Escala Richter, apenas 5% das casas haviam sido reconstruídas. Cem mil haitianos ainda continuavam a viver nos abrigos temporários. Com a destruição da infraestrutura de saneamento básico e de saúde pública, a cidade passou por uma epidemia de cólera que vitimou outras quatro mil pessoas. A miséria e o caos se instalaram de maneira definitiva.
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Custos humanitário e econômico
O impacto de eventos climáticos extremos é ainda mais forte, portanto, em países subdesenvolvidos. Um dos reflexos imediatos é o aumento da população levada à zona de pobreza.
Um estudo do Banco Mundial indica que estes desastres naturais custem cerca de US$ 520 bilhões em perdas na capacidade de consumo e empurrem 26 milhões de pessoas à pobreza todos os anos. Além do Haiti, outros exemplos corroboram com a tese.
Em 2005, a crise causada pelo furacão Stan na economia da Guatemala fez com que 7,3% das famílias afetadas enviassem seus filhos para trabalhar ao invés da escola. Em 2010, o ciclone Aila elevou o nível de desemprego e pobreza de Bangladesh em 49% e 22%, respectivamente. Três anos depois, estima-se que um milhão de filipinos foram levados à base da pirâmide social após o tufão Haiyan ter raspado os cofres públicos para obras emergenciais.
De acordo com relatório da seguradora AON, as perdas econômicas causadas por desastres naturais – muitos deles provocados por mudanças climáticas – chegaram a US$ 313 bilhões em 2022.
Foram ao menos 421 eventos no ano, como inundações e furacões, contra a média de 396 desde o início do século. A companhia informou a maior parte das apólices foram pagas por conta da destruição causada pelo Furação Ian, que atingiu a Florida em setembro. Os danos estruturais avaliados somaram cerca de US$ 55 bilhões. Já o prejuízo econômico total chegou a US$ 95 bilhões.
O custo imaterial, em vidas, também foi elevado. Aproximadamente 31,3 mil pessoas perderam a vida em 2022 por conta destas catástrofes – 2/3 das mortes relacionadas às severas ondas de calor na Europa, entre os meses de junho e julho.
No entanto, levantamento da organização Our World in Data revela que o número de vítimas fatais ocasionadas por este fator, incluindo terremotos e atividade vulcânica, vem caindo nas últimas décadas. O documento sinaliza que, entre o início e a metade do século 20, o volume total ultrapassava frequentemente a marca de 1 milhão de perdas, com média de 400/500 mil por ano. A partir dos anos 1970, essa média despenca para menos de 100 mil.
O motivo principal desta diminuição, segundo os pesquisadores, seria exatamente um aumento da capacidade das nações em antecipar, responder e mitigar o impacto destes eventos. Não por acaso, é também a partir da segunda metade do século passado que o desenvolvimento de novas tecnologias, da computação e do processamento de dados ganhou velocidade.
Dados e vidas
O emprego da tecnologia no gerenciamento dos desastres naturais e eventos climáticos é o método mais assertivo para reduzir os riscos de tragédias humanitárias, prejuízos financeiros e proporcionar maior resiliência às cidades.
Dentre as principais ferramentas tecnológicas que têm auxiliado as autoridades públicas na gestão de risco e de catástrofes estão:
– Ecossistemas de devices conectados (IoT) coletam dados de zonas mais vulneráveis, alterações meteorológicas, atividades vulcânicas, entre outras para acionamento imediato de medidas de contenção e geração posterior de insights valiosos para a formulação de estratégias preventivas;
– ‘Digital twins’ (gêmeos digitais) permitem a realização de simulações virtuais de soluções de mitigação estudos de impacto em áreas atingidas por eventos naturais;
– Big data gerado a partir das plataformas de sensoriamento remoto ajuda a identificar lacunas e indicar a alocação de recursos;
– Inteligência artificial na avaliação do impacto econômico causado por eventos prolongados como secas ou períodos chuvosos;
– Sistemas de comunicação inteligentes e integrados, com ferramentas automatizadas que garantam a transmissão eficiente de dados e informações, são essenciais para as estratégias de prevenção e mitigação dos desastres naturais;
– Drones com câmeras de alta resolução ajudam na avaliação de danos, aumentam a consciência situacional e ajudam as equipes de resgate e de suporte médico no planejamento mais efetivo das ações;
– Robôs orientados por GPS e câmeras térmicas no suporte das equipes de resgate em áreas de difícil acesso e/ou onde haja risco de vida a estes profissionais;
– Blockchain para garantir o funcionamento automatizado e incorruptível de processos de coleta e atualização de dados para modelos de impacto, bem como ajuda a dar transparência a contratos e programas antidesastre;
– Softwares com código aberto podem ajudar as equipes de resgate a identificar e alocar recursos médicos e suprimentos, gerenciar voluntários e rastrear desaparecidos;
– Redes sociais permitem a marcação do status e localização dos sobreviventes, auxiliando as equipes de busca.
O papel do TI
Na retaguarda de toda essa rede de gerenciamento, que produz cargas volumosas de dados, imagens e informações, é preciso contar com uma infraestrutura de TI robusta, segura e altamente disponível.
Data centers aptos a suportar a demanda em situações de crise e protegidos o bastante por sistemas redundantes e estruturas estanques, antichamas e resistentes a impactos e alta pressão, para que eles próprios não sejam impactados pelas instabilidades do tempo ou do solo.
Em 2021, a green4T assumiu a operação de TI da unidade de Comando e Controle (C2) do novo Centro de Inteligência de Defesa Civil (Cidec) do Governo do Espírito Santo. O local integra e centraliza todos os dados relacionados ao clima do estado, auxiliando na tomada de decisão das autoridades locais diante de situações de crise.
Além disso, o TI tem um outro importante papel a cumprir: colaborar com a redução do impacto ambiental do setor de tecnologia, a partir de data centers mais eficientes do ponto de vista energético.
Para prevenir, gerenciar e mitigar os efeitos dos desastres naturais nas cidades e sobre as populações vulneráveis, a inteligência dos dados é fundamental. E ela deve ser obtida da maneira mais sustentável possível.