Edelvicio Júnior:
Olá, seja muito bem-vindo seja muito bem-vinda a mais um episódio do podcast greenTALKS. Eu sou Edelvicio Júnior, engenheiro eletrônico especialista em inovação industrial da EMBRAPII e professor convidado da Fundação Dom Cabral em temas relacionados com a inovação, digitalização e transformação digital. Sou colunista do Portal e de Fórum da IT Mídia em temas relacionados com a transformação digital e inovação e membro do Comitê de Avaliação do Prêmio das 100 Empresas Mais Inovadoras do Brasil nas últimas três edições, organizado pela IT Mídia.
Lembrando que você pode encontrar esse conteúdo aqui no Spotify, no YouTube, em nosso blog Insights e em todas as nossas mídias sociais. Eu estou no greenTALKS, da green4T, e vou conduzir uma série de entrevistas com especialistas que irão abordar o futuro da infraestrutura digital e de aplicações críticas e do impacto nas empresas. Nosso primeiro episódio da série Infraestrutura Digital e Aplicações Críticas eu conversei com o pesquisador e empreendedor Renato Cavalcante, do Instituto Fraunhofer, na Alemanha, onde falamos sobre o impacto das redes 5G nas aplicações corporativas, das redes 5G Edge, das evoluções da implementação Open Ran, e o estágio das pesquisas sobre as redes 6G.
Visite os nossos canais e ouça também o primeiro podcast. O convidado do segundo podcast é o Cezar Taurion, um profissional extremamente atuante com larga experiência no setor de TIC. Cezar, primeiramente muito obrigado por ter aceitado o nosso convite e eu gostaria que você se apresentasse para que a gente iniciasse o nosso bate-papo.
Cezar Taurion:
Olá Edelvicio, obrigado pelo convite. Realmente é um prazer estar aqui com vocês e trocando ideias sobre esse tema que acho extremamente importante. Uma rápida revisão da minha experiência profissional que já tem algumas décadas, mas basicamente eu tive uma grande parcela da minha carreira exercida em grandes corporações como multinacionais e consultorias, em setores bem diferentes que me deram boas experiências. Na PwC, por exemplo, onde fui líder de IT Strategy para América do Sul e depois por 12 anos como diretor de novas tecnologias para a IBM aqui no Brasil. Quando eu saí do mundo corporativo, acabei criando um ecossistema onde participo de atividades com universidades como a Dom Cabral, com executivos do conselho de inovação de empresas, e também como mentoria, orientação e até mesmo investimento em algumas startups. Essa diversidade de ideias é extremamente interessante pois se conversa com pessoas muito diferentes o tempo todo, e a participação nos conselhos me dá uma visão muito realista da da evolução da tecnologia e o que aquilo pode trazer de benefício para uma grande organização no curto, médio e longo prazo. E é isso que eu gostaria de compartilhar aqui com vocês.
Edelvicio Júnior:
Excelente, Cezar. Você é um cara que sempre procura tirar o hype e trazer para o mundo real em seus artigos e palestras. Para começar, gostaria de fazer o seguinte questionamento. A gente tá vivendo no Brasil uma implantação de infraestrutura 5G, e se fez muito marketing sobre essa implantação como se o 5G fosse resolver todos os problemas e que a economia brasileira seria outra após o 5G. E o que a gente sabe é que na prática não é bem isso, pois a infraestrutura é um meio e não o fim, ela possibilita mas não resolve os problemas estruturais de um país. Que impacto você vislumbra que o 5G colocará no Brasil nos próximos anos para as aplicações críticas para que realmente as organizações brasileiras possam desenvolver novos?
Cezar Taurion:
Você falou muito bem, o 5G temos que olhar como meio e, claro, sempre há uma tendência de superestimar pelo marketing, como se a simples implementação dela fosse resolver problemas das organizações. Esses meios tecnológicos mais avançados permitem que as empresas melhorem sua eficiência e crie novos negócios desde que elas queiram fazer isso e estejam preparadas para isso. Então, há um potencial sim para muitas atividades, seja dentro da indústria com trocas rápidas de informações entre fábricas e equipamentos, na área da educação, área médica com treinamentos para cirurgias, etc. Mas para isso acontecer, tem que haver uma necessidade clara, um problema real, e o desejo da organização de investir. Eu acho que o grande desafio que temos nas empresas é o mindset de inovar e buscar novas oportunidades experimentando com tecnologias, mas principalmente a organização ela tem que estar preparada para usar as tecnologias. E o desafio tanto do 5g quanto de outras é dentro da organização. Como é que eu vou fazer isso acontecer? Eu tenho uma visão mais clara onde estão meus principais problemas? Onde eu consigo resolver ou que tipo ou conjunto de tecnologias para resolver? Isoladamente, o 5G não resolve, ela facilita. Mas que outras tecnologias eu tenho que utilizar para resolver os meus problemas reais? Então, concordo muito quando você fala da superexposição do marketing versus a realidade, e nós vamos bater na mesma porta para sempre. Falta é preparo das organizações para usar e explorar essas tecnologias de hoje.
Edelvicio Júnior:
A gente viveu recentemente a exposição do metaverso e hoje a exposição é do ChatGPT, e você escreve e fala muito bem sobre isso. Mas por outro lado, nós temos aplicações que não hype como a Inteligência Artificial que está presente cada vez mais em nosso dia a dia, e as aplicações vão depender de aplicações baseadas em algoritmos de Inteligência Artificial. Qual o cenário brasileiro que você vê em relação às organizações brasileiras? Elas estão preparadas e tem massa crítica suficiente para aplica-las? Há um ambiente favorável em termos de cultura para usar efetivamente aplicações baseadas em algoritmos de Inteligência Artificial?
Cezar Taurion:
É uma questão interessante e que também cai no contexto da questão anterior. As tecnologias estão aí, mas ele é apenas um modelo de linguagem olhando todos os aspectos de aplicação de Inteligência Artificial, ele tem um determinado nicho de aplicação. É o hype do momento mas tem inúmeras outras oportunidades de uso de Inteligência Artificial que são basicamente modelos matemáticos. O grande desafio que nós vivemos é, primeiro, muitas iniciativas que não têm uma visão muito clara do que vão resolver. Vi isso acontecer na primeira onda de Deep Learning e criou-se uma série de iniciativas chamadas de AI Labs por parte de empresas onde colocava-se um cientista de dados em um canto esperando que dali saísse alguma ideia genial. Então, já surgiu soluções de algoritmos interessantes, mas com pouquíssimas aplicabilidades no negócio. E a mesma coisa eu vejo hoje, não mudou muito, infelizmente. A falta de compreensão das potencialidades e limitações da tecnologia, a identificação dos problemas que possam ou não ser resolvidos com a aplicação de Inteligência Artificial e ela não é a solução para todos os problemas. Então soluções onde a probabilidade de acerto e erro é razoável e eu consigo fazer, por exemplo, a manutenção preditiva ou algo nesse sentido são bem interessantes. Mas, se não tiver uma estratégia clara e, principalmente, se não tiver talentos ou uma cultura na organização que comece a trabalhar com visão de dados e Data Driven, a aplicação não vai muito longe. Então, o grande dificultador que eu vejo, ainda é o aspecto humano. Os gestores nas empresas têm muita dificuldade de ver o potencial. Quando lemos alguma coisa no jornal ficamos muito empolgados e tentamos pressionar dentro da organização para que a área de TI faça alguma coisa, e muitas vezes isso é feito mas qual a aplicabilidade disso? E aí vemos que é muito pouco. Então, olhe e analise o seu grau de maturidade ou como você tá em termos de cultura e organização, como você está em termos de desenho de estratégia incorporando Inteligência Artificial dentro dela, como você está em termos de tecnologia e como você está em termos de talentos. Se você tiver num grau de maturidade adequado, inicia com alguns projetos interessantes. Se não tiver, comece a aprender e a educar a si mesmo como executivo e aos seus profissionais como gestores e técnicos, a usar e assim explorar melhor as tecnologias. Então esse é o grande desafio aqui no Brasil, é o aculturamento do uso adequado da Inteligência Artificial. Pois potencial temos, aplicações temos, e agora tem que saber onde e como usar.
Edelvicio Júnior:
Interessante, Cezar. A parte cultura é sempre crítica para a inovação. E somos críticos sobre o conceito que foi criado em relação a metaverso e outras aplicações dos últimos anos. Mas assim como a Inteligência Artificial, existe as aplicações reais e em Tecnologias Imersivas não é algo de agora como as aplicações de Realidade Virtual que tem desde o século passado, e a gente vê que elas vão estar cada vez mais presente em nosso dia a dia como pessoa, como também nas corporações. Qual o cenário que você deslumbra de aplicação no Brasil de uso pelas organizações de tecnologias imersivas em seus modelos de negócio?
Cezar Taurion:
Eu vejo um ponto bem interessante pelo que você falou. O hype foi muito provocado pelas declarações fantasiosas como quando o Facebook mudou o nome para Meta, ou a expectativa de que até 1 bilhão de pessoas estariam o dia inteiro vivendo nesse mundo virtual, ou seja, não teria mais o mundo físico. Isso aí é um delírio e provocou uma série de reações, algumas entusiásticas e outras, obviamente, bastante céticas. Mas tem um lado realmente interessante focado, por exemplo, na educação imersiva. Nosso modelo de educação ainda é muito ruim, ainda mais em termos de tecnologia, e as taxas de evasão, por exemplo, em um curso de Ciências da Computação chega em alguns casos a 70%, 80%. Então, existe uma carência de profissionais, as matérias não são bem-preparadas ou são antigas e absoletas, os professores muitas vezes estão desatualizados, e falta base matemática. Falar com essas tecnologias sem base matemática não dá. Então, temos um problema de educação que vem de longa data. Essa questão poderia ser melhorada quando você chega em uma disciplina como Medicina, e começa a usar essa Realidade Virtual para fazer realmente um treinamento melhor para os médicos, começar a olhar o que é um corpo humano com mais detalhes, etc. Isso facilita depois o aprendizado da cirurgia. No Turismo você também pode fazer uma série de coisas que permitam você fazer navegação em vários locais e definir os seus roteiros de maneira muito mais interessante, e assim vai. Na indústria, quando você fala em manutenção e treinamento, nada melhor que você ver uma peça como uma turbina, que é um equipamento complexo de uma aeronave e começar a extrair pedaços dela de forma virtual e facilitar o processo de manutenção. Isso evita erros, e faz com que o processo seja muito mais assertivo. E estamos falando de coisas que são extremamente importantes para a sociedade pois se coloca pessoas em risco em uma cirurgia ou dentro de uma aeronave. Então, esse tipo de aplicação tem um potencial muito grande e existe muitas aplicabilidades, mas desde que a gente saiba aonde aplicar. Tem que identificar os casos de uso e saber como aplicar esses casos. Eu tenho pessoas preparadas para isso? Eu tenho a tecnologia? Eu tenho os dados suficientes? Os algoritmos em Inteligência Artificial podem ajudar muito os sistemas de Realidade Virtual, e há uma convergência tecnológica extremamente importante, e não adianta fazer uma tecnologia sem se preocupar com as demais. Elas vão trazer o efeito ao atuar em conjunto. Então, essas tecnologias têm sim um grande potencial desde que a gente saiba onde aplicá-las, desde que tenha gente preparada para implementá-las.
Edelvicio Júnior:
Excelente. Nós falamos de 5G, falamos de Inteligência Artificial e falamos de Tecnologias Imersivas. E para tudo o dado é extremamente importante e as organizações precisam estar focadas em dado. Dentro desse cenário, que já é presente e vai evoluir rapidamente, qual a importância das organizações terem uma infraestrutura descentralizada de dados, já que o dado cada vez é peça-chave da evolução e crescimento de negócios?
Cezar Taurion:
Antigamente, os data centers eram centralizados, em salas fechadas e, basicamente, pouquíssimas pessoas tinham acesso. Eram os cientistas que trabalhavam lá dentro, e até se levava pessoas de fora para ver o seu CPD. Depois, a computação passou a ser distribuída em casa, com os PC’s, e hoje está em nosso dia a dia no bolso, onde tem smartphone com mais capacidade computacional que aquele data center da Nasa tinha, em termos de capacidade computacional quando colocou a primeira vez o homem na Lua, em 1969. Hoje, há uma tendência muito grande de uso de computação em nuvem, ela resolve alguns? Resolve. Mas resolve todos os problemas? Não! Tem aplicações que eu posso colocar na nuvem, e tem aplicações que eu deveria manter dentro de casa. Posso usar as técnicas de computação automática para não ficar operando manualmente os equipamentos, como os data centers sem gente, mas à medida que eu começo a ver possibilidade de facilitar a comunicação rápida entre os dados eu poderia ter alguma estratégia de empresa e colocar os data centers descentralizados ou, dependendo da estratégia, colocar centralizado. Acho que não existe uma resposta única para esse caso, mas essa opção de descentralizar data centers é bastante interessante para muitas situações. Seja situações onde inevitavelmente há uma latência e muitas vezes os caminhos não são com atalhos, por exemplo, como se comunica daqui com as Filipinas? Não vai direto, não tem tráfego suficiente para criar um cabo submarino para isso. Às veze passa pela Europa ou algum outro canto, ou eventualmente olhamos para um aspecto mais abrangente onde muitas vezes as comunicações passam pelo sul da China, que hoje é uma região um tanto quanto em questionamento, pois uma interrupção ali afeta, por exemplo, acessos a países-chave como Singapura que basicamente é um hub logístico entre o Oriente e o Ocidente. Então, isso nos obriga a ter estratégias amplas envolvendo alguns casos descentralizados, ou outros centralizados. Portanto, acho essa alternativa extremamente interessante, mas por outro lado tem que ter uma visão muito clara do que eu quero fazer. Será que agora é o momento de fazer isso? Qual o grau de centralização? Até que ponto eu mantenho centralizado? Até que ponto eu começo a descentralizar? O grande plus disso é que agora eu posso fazer isso com data centers adequados, com comunicação adequada, com condições de segurança e a proteção de ataques a cibersecurity bem ajustados pra isso. Então, é uma opção bem interessante sim e tem que estar no radar de todas as empresas.
Edelvicio Júnior:
Muito obrigado, Cézar! Foi excelente o nosso papo, eu acho que você trouxe visões muito interessantes e da importância do nosso executivo brasileiro estar antenado do que de fato é real e não está ligado no hypes e realmente ter uma visão mudança de cultura, de estar antenado que as novas tecnologias podem agregar valor ao negócio é extremamente importante. Muito obrigado pela sua participação e espero que tenham gostado.
Eu lembro que você pode encontrar este conteúdo aqui no Spotify, no YouTube, em nosso blog, e em todas as nossas mídias sociais. Obrigado e grande abraço a todos.