Os desafios da conectividade digital – Episódio 8

Qual a relevância da conectividade digital para o desenvolvimento das empresas e nações? O que a pandemia revelou deste processo? Como está o Brasil neste contexto e quais as iniciativas globais visam contornar a exclusão digital? As respostas estão no podcast com o especialista em inovação, Internet das Coisas e Transformação Digital, e professor convidado da Fundação Dom Cabral, Edelvicio Souza Júnior.

Os desafios da conectividade digital – Episódio 8

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Me chamo Fabiano Mazzei, e sou jornalista na green4T e nesta oitava edição teremos uma conversa com Edelvicio Souza Júnior, especialista em inovação, Internet das Coisas e Transformação Digital, e professor convidado da Fundação Dom Cabral, sobre Os Desafios da Conectividade Digital, uma análise profunda sobre um tema tão relevante nestes tempos de novos modos de trabalho, nova maneira de estudar e novos hábitos de consumo pós-pandemia.

Fabiano: Olá Edelvicio, muito obrigado pela presença!

Edelvicio Souza Júnior: Olá Fabiano, obrigado a você e a green4T pelo convite e de podermos falar de um tema extremamente atual que é a importância cada vez mais crescente da estrutura de conectividade digital em nossas vidas. Vamos abordar a relevância disso e também as consequências da não conectividade. Portanto, um tema recente e importante para todos nós.

Fabiano: Edelvicio, vamos começar esta conversa definindo o que é Conectividade Digital e por quê ela é tão importante nos dias de hoje.

Edelvicio: Antes de dar um conceito formal, acho que é importante entendermos o que ela é para nós e o que ela significa. Estamos vivendo um momento que definiremos, no futuro, em aC e dC: antes e depois do coronavírus. Infelizmente, estamos ainda durante o coronavírus. Vivemos uma das maiores transformações que a humanidade já viveu em todos os setores, marcadas por uma evolução exponencial que algumas tecnologias estão possibilitando. Nunca houve, na história, tamanha evolução com tantas tecnologias diferentes – com avanços seja na redução de custos, seja na melhora da performance – e que estão presentes no nosso dia a dia, trazendo mudanças profundas em nossa sociedade.

Um dos elementos chave para que aconteça essa digitalização é levar o dado/informação para a ponta, ou seja, até o consumidor final, cidadão, gestor público. E, para isso, é fundamental você ter uma estrutura de comunicação e conectividade, que permita que este acesso seja feito.

Essa infraestrutura não é só aquela que a gente tem em uma rede de telefonia celular, por exemplo. É muito mais do que isso: é toda forma que você tem de coletar, armazenar e transferir os dados, passando por armazenamento na nuvem, por aplicações que exploram o Big Data, sejam elas por satélite, fibra ótica ou até mesmo pelos provedores de banda larga.

As mudanças que estamos sofrendo, além de impactar de sobremaneira o nosso dia a dia, estão provocando um hiato profundo entre a economia dos países. Entre aqueles que contam com essa infraestrutura de conectividade – e podem usufruir dos seus benefícios – e aqueles que são carentes dessa condição.

A pandemia evidenciou a nossa dependência de acesso à internet. O que aconteceu de março para cá é que algumas de nossas atividades ficaram dependentes disso, seja no trabalho remoto ou na educação.

O que se pontua é que na hierarquia das necessidades básicas da base da pirâmide de Maslow – acesso a moradia, educação, saneamento básico – já se coloca o acesso à internet como uma das necessidades do cidadão. Ou seja, já é uma questão de cidadania. E este acesso é uma questão de infraestrutura de conectividade que ofereça esta oportunidade a todos.

De uma forma bem simples, é aquilo que se consegue oferecer de acesso – ou não – à população. E não basta só o acesso, precisa ter qualidade. Todos nós, alguns mais, outros menos, nos deparamos com situações onde a conexão caiu ou travou. Então, mais do que acesso, é preciso ter qualidade e, além, que a população na ponta tenha os meios para acessar esses serviços, como um computador ou tablet disponível, para que o acesso não seja unicamente via celular.

A gente vive, hoje, a era do 4.0 na saúde, na educação, no agro, na indústria, nos projetos de cidades inteligentes. E o que elas têm em comum? Todas são dependentes de uma infraestrutura de conectividade digital. Você não implementa nenhum destes projetos que estão mudando completamente a nossa vida, sem a disponibilidade dessa infraestrutura.

Então, dentro do contexto dessa nova economia digital, os países, ou regiões dentro deles que não tenham essa infraestrutura de conectividade digital, serão impedidos de usufruir os benefícios dessa nova era.

Para se ter uma ideia da importância disso, tem um estudo muito interessante realizado pela União Internacional das Telecomunicações (UIT) que faz uma avaliação do impacto da conectividade na economia de um país. Este fator, chamado de Índice de Conectividade Global, ranqueia os 79 países participantes com notas de 0 a 100, onde o Brasil tem nota 47 e ocupa o 44° lugar no ranking. O estudo demonstra que, quando você sobe um ponto neste índice, você chega a aumentar 2.1% na competitividade daquela nação, 2,2% na inovação e 2,3% na produtividade de sua economia.

Outro dado interessante é com relação ao impacto do PIB de uma região. Tem um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que aponta que a cada 10 linhas de banda larga que você acrescenta para 100 pessoas faz o PIB local crescer em 1,38%, no caso de países em desenvolvimento, chegando a 1,21% em países já desenvolvidos. Ou seja, tem impacto direto no PIB per capita de uma região. Então, isso é para entender o conceito e a importância da conectividade digital.

Fabiano: Perfeito, eu gostaria de voltar em um ponto crucial para este entendimento que é a questão da pandemia. Como ela revelou para o mundo e para nós, aqui no Brasil, a questão da real capacidade das nações neste tema da conectividade?

Edelvicio: A pandemia, na verdade, promoveu uma grande aceleração nos projetos de digitalização – seja de empresas, de países – e todos fomos forçados a nos digitalizar ou usufruir de infraestruturas digitais.

Isso evidenciou algo que, para alguns, era oculto quanto a desigualdade das nações neste aspecto. Estamos vivendo no mundo uma grande exclusão digital. Existem aqueles que têm o acesso e os que não têm, ou possuem, mas com péssima qualidade.

Essa desigualdade é enfatizada na área rural no mundo todo, não só no Brasil, onde boa parte não está provida de acesso. Regiões distantes dos grandes centros urbanos também são desprovidas de acesso – cidades menores, onde se concentram as classes C/D/E.

Uma pesquisa deste ano do Gallup mostra que 24% das pessoas em situação vulnerável no mundo não tem qualquer acesso à internet. E há, ainda, os que conseguem ter acesso, mas ele é precário.

Especificamente na nossa região, foi publicado um estudo chamado Conectividade Rural na América Latina e Caribe, elaborado pelo BID e IICA (Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura), que aponta que 77 milhões de pessoas que moram em zonas rurais nos 24 países da região, não têm acesso de qualidade à internet. Ou seja, embora a agricultura seja importante para a economia destas nações, as pessoas que moram nestas áreas estão impedidas de ter acesso ao desenvolvimento, bem como permitir melhorar a sua própria produtividade. No mesmo estudo, 29% da população urbana latino-americana também não tem acesso à internet.

No que tange as escolas, que é algo com que me preocupo muito, 33% das escolas da América Latina não tem acesso nenhum à internet.

No Brasil, conforme Pesquisa TIC Domicílios 2019, o acesso às redes 4G, que você coloca na sua residência, só atinge 88% da população. E 26% dos brasileiros – 47 milhões de pessoas – não têm nenhum acesso à internet, a maioria das classes C/D/E. Ao todo, 554 municípios brasileiros que também não tem qualquer acesso à rede. Dos domicílios rurais no Brasil, 48% não tem acesso. No total, 20 milhões de lares brasileiros estão desconectados. Enquanto 96% das famílias da classe A têm um computador ou tablet em casa, apenas 14% dos lares das classes C/D/E têm um computador. Ou seja, o precário acesso que eles fazem é via celular, que sabidamente não é a melhor maneira de se conectar e conceber aprendizado.

Com relação a educação, essa exclusão digital vai aumentar a desigualdade social. Veja, 40% das escolas públicas no Brasil não têm computador ou tablet, segundo dados do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic). Na sua grande maioria, essas crianças não tiveram acesso às aulas durante a pandemia. Estão privadas de crescer. Este é um dado preocupante que a pandemia escancarou – e, por isso, a sua pergunta foi muito oportuna – que é a desigualdade e a exclusão digital que vivemos no mundo e no Brasil, de forma muito mais enfática.

Fabiano: De fato, há muito a se evoluir na questão do acesso de qualidade à internet. E isso nos leva a buscar entender como às novas tecnologias podem mitigar o impacto dessa exclusão. O que podemos esperar disso?

Edelvicio: A gente está vivendo agora a discussão em todo o mundo da implantação do 5G, um novo parâmetro tecnológico que vai permitir novas aplicações. No mundo como um todo, até pelas características de baixa latência, maior velocidade, menor investimento em termos de torres, o 5G vai provocar uma revolução. Mas, ao mesmo tempo, há um grande desafio: ele pode aumentar a nossa desigualdade. Porque se todas estas áreas que citamos não têm 3G ou 4G, elas também não terão acesso ao 5G.

Mas do ponto de vista positivo, o 5G vai aumentar de sobremaneira o uso de tecnologia para a melhoria da qualidade de vida da população. Junto com ele, existe um potencial enorme de aplicações de Internet das Coisas (IoT) – sejam elas em cidades inteligentes, na indústria 4.0 – de se beneficiarem cada vez mais, trazendo em torno disso a computação de borda ou edge computing.

Nestas áreas sem acesso e onde a conectividade seja um problema sério, você pode trazer para perto da aplicação o processamento daquele dado, sem depender eternamente de um link de internet para acessar a nuvem, por exemplo.

Vamos conviver com um mundo híbrido, com parte do processamento local – aquele que for mais crítico, como na telemedicina ou em fábricas em áreas remotas –, onde o edge computing vai fazer proliferar o número de data centers, menores e talvez com capacidade de processamento reduzida, mas perto da ponta, de tal forma que você vai aumentar de sobremaneira o potencial e vai distribuição do processamento, com grandes investimentos em infraestrutura. O que se espera com isso é melhorar o potencial dessas aplicações, seja em cidade inteligentes, na indústria, nas minas, no agronegócio. Levar para a ponta esse processamento nas áreas hoje que não são atendidas plenamente. O 5G junto a investimentos nestas tecnologias vai propiciar benefícios enormes a estes setores.

Fabiano: Professor, falando dessas iniciativas e do que pode ser feito, que medidas práticas têm sido buscadas para contornar essa fragilidade da conectividade digital brasileira?

Edelvicio: Uma das coisas que a gente tem muito no Brasil e depende da Anatel e do Ministério das Comunicações, do governo como um todo. Eles são agentes com o papel de diminuir essa desigualdade. Em novembro, tivemos três fatos interessantes que vão trazer um impacto enorme e no curto prazo para diminuir essa desigualdade que temos assim que forem colocados em prática.

Uma delas foi a aprovação do Projeto de Lei 172 pelo Senado, que prevê usar parte da verba do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), com bilhões de reais disponíveis, para investir em infraestrutura de banda larga para essas áreas sem acesso – que são as que têm baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) – ou as zonas rurais. Este é um fato positivo que o Brasil tende a se beneficiar urgentemente.

Outro ponto é que tínhamos no País, até a aprovação pelo Senado do Projeto de Lei 6.549, taxas para implantação de dispositivos de IoT muitas vezes superior ao custo do próprio sensor. Isso faz com que os investimentos em IoT – notadamente para as cidades inteligentes e outras aplicações – ficavam impedidos porque o custo para você implantar o sensor era maior do que o próprio sensor. Agora, essas taxas foram zeradas, o que vai incentivar um aumento nas aplicações em IoT, e impactar a população como um todo.

E, por último, a Anatel submeteu ao Conselho Gestor da Internet (CGI.BR) nas últimas semanas um plano geral de metas que propõe às operadoras trocar a cobertura ainda a realizar de 4G por colocar fibra ótica em municípios que ainda não tem este recurso. Isso vai possibilitar que 1.511 municípios possam ter acesso a uma infraestrutura de conectividade de alta qualidade por fibra ótica, por exemplo.

Só estas três iniciativas já são um exemplo de uma mudança enorme que está por vir rapidamente no Brasil.

Fabiano: Professor, a conversa está ótima mas, infelizmente, estamos terminando este podcast. Última pergunta: em uma visão mais global, quais as iniciativas mais contundentes têm sido realizadas a fim de levar a conectividade digital para os quatro cantos do mundo?

Edelvicio: Um dos modelos que as empresas estão investindo é o acesso via satélite. Ele possibilita que você fuja dos investimentos em infraestrutura física, como as torres de transmissão, e tenha uma capilaridade maior até pela cobertura que um satélite tem. Um exemplo é o Starlink, do Elon Musk, que tem um projeto aprovado pelas autoridades americanas de implantar 12 mil satélites em baixa órbita transmitindo internet de alta velocidade. Só para se ter uma ideia, este projeto – que já está em implantação piloto nos Estados Unidos e tem foco em áreas rurais e aquelas não cobertas pelos provedores tradicionais – pretende cobrar taxas compatíveis ao 4G, por exemplo. E com velocidade de 1 GB/s, que é algo que o 5G pretende entregar.

Então, uma das maneiras da gente contornar essa deficiência e essa desigualdade que nós temos é usando essa infraestrutura de satélites. E não é só o Musk que tem este projeto: você tem a Blue Orange, a Amazon e, há duas semanas, os chineses anunciaram um projeto de lançar 10 mil satélites – um número grande, se pensarmos que temos cerca de apenas 2.400 satélites orbitando atualmente o planeta. Elon Musk, inclusive, já pleiteou aumentar para 40 mil equipamentos.

De uma forma bem objetiva, uma das maneiras de contornar a desigualdade digital no mundo, não apenas no Brasil, é oferecer outras formas de acesso que não a dos provedores locais, como os serviços de conectividade via satélite, de alta qualidade e baixo custo.

Fabiano: Muito bem, de fato, este é um tema que não se esgota aqui e é muito rico. De certo que teremos outros podcasts para conversar a respeito. Nós conversamos com Edelvicio Souza Jr., especialista e consultor em inovação, Internet das Coisas e Transformação Digital, além de professor convidado da Fundação Dom Cabral, sobre Os Desafios da Conectividade Digital, um tema absolutamente relevante para este momento que a gente vive.

Edelvício, foi um prazer, muito obrigado por compartilhar os seus conhecimentos conosco.

Edelvicio: Eu que agradeço, Fabiano, a green4T pelo convite, e a minha esperança é que este tema sensibilize a todos aqueles que, talvez, não tivessem acesso a estes dados e conhecimento, e que cada um de nós faça a sua parte no sentido de mudar este cenário crítico de desigualdade no Brasil, que é essa exclusão digital que parte dos brasileiros está passando. Espero que logo tenhamos ações concretas e que elas deem frutos para que possamos permitir que todos os brasileiros usufruam dos benefícios da nova economia.

Fabiano: Então é isso, convido você a continuar a acompanhar o nosso podcast e também outros conteúdos relevantes sobre a tecnologia da informação no blog INSIGHTS, no site da green4T.

Nós esperamos que tenha gostado desta edição. Muito obrigado e até o próximo programa!