A aceleração na transformação digital das companhias imposta pela nova economia data centric tem feito com que os gestores empresariais se concentrem cada vez mais em investir em tecnologia. É na inovação tecnológica que reside toda e qualquer estratégia que busque aprimorar processos, otimizar investimentos, reduzir custos, elevar a produtividade e potencializar a experiência do cliente – as metas básicas e essenciais neste momento de busca frenética por mais competitividade e relevância diante de um mercado tão volátil quanto exigente.
Assim, termos como machine learning, inteligência artificial, edge computing e IoT (internet of things) saíram do glossário técnico comumente ouvido nos departamentos de TI e passaram a fazer parte do dia a dia das companhias. Em especial, a ‘internet das coisas’ se popularizou em quase todos os setores socioeconômicos – da indústria 4.0 ao agronegócio de precisão, das cidades inteligentes ao hábito de consumo das pessoas – e tem gerado grande interesse por parte de CEOs, CIOs e gestores públicos ao redor do mundo.
Segundo pesquisa global da consultoria McKinsey, 25% das empresas já utilizavam o IoT em seus negócios em 2019. O mesmo estudo indicou que, até 2023, existirão 43 bilhões destes dispositivos conectados. Dada a sua importância para o futuro dos negócios, o tema ganhou centralidade no evento Global Technology Governance Summit 2021, realizado virtualmente no Japão em abril passado, organizado pelo Fórum Econômico Mundial.
Esta elevação no interesse pelo IoT também é explicitada em números. Segundo levantamento do IDC (International Data Corporation), estima-se que apenas na Europa os investimentos em hardware (módulos e sensores) e softwares que suportam essa tecnologia chegarão a US$ 202 bilhões ainda neste ano, com previsão de crescimento na casa dos dois dígitos até o final da década. No mundo, os investimentos relacionados ao IoT, segundo a mesma consultoria, teriam movimentado cerca de US$ 690,4 bilhões em 2020.
O efeito da Covid
A pandemia de 2020 criou um caráter de urgência por soluções que garantissem o distanciamento social e o monitoramento remoto de tudo: mercadorias, trabalho, pessoas. Nestas circunstâncias, o IoT ganhou ainda mais relevância.
Segundo o relatório State of Connected World, apresentado no summit do Fórum Econômico Mundial, o papel dos sensores conectados foi fundamental no enfrentamento da doença. Eles foram utilizados, por exemplo, no acompanhamento das vacinas e medicações relacionadas à Covid em transporte pelo mundo, colaborando com a sua distribuição de forma mais segura. Também foi essencial nas câmeras térmicas que detectavam pessoas com sinais de febre e, portanto, potencialmente contaminadas pelo coronavírus, além de outros dispositivos que geraram dados importantes para o rastreamento de casos da doença.
O impacto socioeconômico
Para além das questões relacionadas à pandemia, o uso do IoT tem como focos principais o aumento da produtividade e a melhoria da qualidade dos serviços, sejam eles públicos ou privados.
Do ponto de vista da produção, a implementação de um ecossistema de sensores conectados à internet – quando bem realizada – pode se traduzir em exponencial ganho de performance, com redução de custos operacionais, diminuição do risco de quebra de equipamentos, aumento consequente de receita e aprimoramento da experiência do cliente.
Neste sentido, a utilização crescente do IoT tem beneficiado diversos setores. Dentre eles, pode-se destacar:
- Indústria (gestão de processos e logística, manutenções preditivas e preventivas);
- Agronegócio (gestão de recursos naturais, plantação e colheita);
- Cidades (saúde, segurança e transporte públicos, gestão de recursos);
- Saúde e Bem-estar (monitoramento de pacientes e gestão de tratamentos);
- Mobilidade (veículos autônomos, gestão da oferta de transporte público e monitoramento da demanda).
A indústria 4.0 é o setor que há mais tempo tem aproveitado os benefícios do IoT. A reunião de técnicas sofisticadas de produção com soluções tecnológicas avançadas é o que tem sido chamado de 4ª Revolução Industrial. Um fenômeno possível, sobretudo, em razão deste ecossistema de sensores que conecta máquinas, captando e transmitindo informações valiosas para a evolução do negócio.
Os ganhos de produtividade nas empresas por conta do IoT podem ser identificados, por exemplo, no setor de óleo e gás. Aplicado não apenas à atividade de extração, mas sobretudo na gestão das plataformas, estas infraestruturas – que podem chegar a dezenas de milhares de sensores – resultam em uma significativa elevação na produção. Segundo o estudo “Connected barrels: Transforming oil and gas strategies with the Internet of Things“, ao atuar na prevenção de vazamentos, acidentes com funcionários e, sobretudo, na manutenção preventiva dos equipamentos, o IoT colabora decisivamente no aumento da produtividade, promovendo o funcionamento da plataforma sem interrupções. Segundo o relatório, a inatividade de uma bomba de sucção, por exemplo, pode custar à companhia até US$ 300 mil por dia.
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Quanto à melhor gestão de recursos, a aplicação de IoT se mostra absolutamente vantajosa. Em Shenzen, na China, a Foxconn Industrial Internet instalou em sua fábrica de smartphones um ecossistema de sensores inteligentes que rastreia todo o consumo de energia do complexo, ajudando a economizar US$ 1,6 milhão com eletricidade por ano.
No aprimoramento de processos, a companhia DHL instalou sensores de IoT em seu centro de distribuição em Beringe, na Alemanha. Este ecossistema conectado à rede passou a informar dados sobre quais tarefas estavam sendo desenvolvidas e por quem, criando mapas de calor por área, tipo de produto e outras informações que capacitaram o gestor da unidade a otimizar os processos internos e dar mais agilidade e segurança ao trabalho.
A mesma DHL já vem utilizando em seus embarques uma tecnologia conectada semelhante: a Thermonet. Consiste em aplicar sensores de temperatura nas cargas médicas e biológicas que necessitam de rígido controle de temperatura. Dessa forma, durante todo o processo de transporte e armazenagem do item, é possível se aferir à distância e em tempo real a temperatura, umidade, violação, controle de movimento e situações de impacto. Desde a sua implantação, em 2010, mais de 62 mil sensores Thermonet já foram utilizados em 1 milhão de embarques aéreos, terrestres e marítimos, com 627 bilhões de bytes transmitidos a partir deles.
Mais recentemente, o agronegócio passou a potencializar práticas produtivas agrícolas e pecuárias por meio do uso de sensores de IoT e outras tecnologias. A adoção de estratégias de gestão e de produção baseadas em dados tem permitido o setor alcançar níveis mais altos de produtividade a cada safra, apresentando como efeito colateral positivo a redução do impacto ambiental gerado pela atividade.
São sistemas agrotecnológicos onde o IoT exerce um papel primordial. É graças aos dados emitidos por sensores localizados no solo, nas lavouras, nas fontes geradoras de energia e de recursos naturais como a água que tem sido possível realizar um planejamento mais assertivo sobre o plantio e a colheita, chegando até a um modelo de escoamento mais eficiente da produção.
O Censo Agrário Brasileiro de 2017 já demonstrava isso em números: aumentos robustos na produtividade ano após ano em diversas lavouras como milho, arroz, laranja e soja – esta, em especial, cresceu 123% em produtividade em uma década por conta dos modos de plantio e colheita mais tecnológicos.
Neste sentido, vale salientar que o uso de técnicas agrícolas mais modernas gera como reflexo positivo uma redução da ocupação do solo e no impacto ambiental decorrente. No livro “Alimentando o mundo: o surgimento da moderna economia agrícola no Brasil” (2020), o autor Francisco Vidal Luna, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, revela que entre 1990 e 2019, a produção no campo cresceu 4,5 vezes, enquanto o aumento da área plantada foi de apenas 1,7. Tudo graças aos avanços tecnológicos implementados no setor.
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Do campo para as cidades, um reflexo semelhante pode ser observado nas chamadas smart cities espalhadas pelo mundo. Neste caso, o uso da arquitetura de sensores tem como finalidade melhorar a qualidade dos serviços públicos e da gestão das áreas urbanas – gerando um impacto social mais evidente e transformando o modo de vida das pessoas.
Aqui, o uso do IoT é bastante amplo e vem acontecendo há mais de uma década. Abrange desde o planejamento necessário para enfrentar os desafios de uma superpopulação urbana – conforme previsão do Fórum Econômico Mundial, com cerca de 70% dos seres humanos habitando as cidades até 2050 –; colabora no gerenciamento dos recursos como água e energia elétrica; na gestão de catástrofes geradas por eventos climáticos, como enchentes e deslizamentos; na promoção da segurança com a implementação de sensores nas chamadas “muralhas digitais”, que protegem os perímetros urbanos; na gestão de resíduos; na ampliação da eficiência energética de estruturas públicas – da iluminação de ruas e praças a prédios ligados à administração do município; e torna mais efetivo os sistemas de saúde e transporte das cidades.
Em Nova York, por exemplo, cada edifício – são mais de 817 mil – foi equipado com medidores de água inteligentes, conectados à internet via wireless. Este processo teve início em 2008 e tornou a medição do consumo mais precisa, ágil e individualizada, bem como permitiu a manutenção rápida em caso de vazamentos não percebidos pelo morador/empresa, reduzindo o desperdício.
Em especial, o transporte público – que vem enfrentando imensos desafios no último ano em razão da necessidade do distanciamento social provocado pela pandemia de Covid – tem muito a ganhar com a adoção desta estratégia de IoT. Neste caso, ele colabora na gestão do sistema ao gerar dados em tempo real quanto a oferta dos ônibus, trens e metrôs, e monitora o cumprimento de horários e rotas. Em última análise, os dados gerados por estes dispositivos inteligentes integrados ao sistema de transporte das cidades também podem ajudar na redução de emissões de gases poluentes, ampliando a melhoria do serviço e do bem-estar dos cidadãos.
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O valor do tempo real na gestão
Outro grande legado da internet das coisas é ter tornado o data em tempo real em uma fonte de valor fundamental para uma gestão mais assertiva do negócio. Ao coletar e transmitir dados sobre máquinas e eventos tão logo eles aconteçam, o IoT auxilia imensamente o gestor na sua tomada de decisão. Pensando em uma cadeia produtiva qualquer, esse right now que esta solução oferece é de suma importância para ajustes imediatos na produção, na manutenção preventiva de equipamentos e no gerenciamento mais inteligente do supply chain. Com estratégias suportadas por dados atualizados, reduz-se também os custos operacionais e a necessidade de estoques demasiadamente abrangentes, por exemplo.
Na área de Saúde e Bem-estar, os investimentos em tecnologia crescem consistentemente a cada ano. Com relação ao uso de sensores inteligentes em específico – que até ganhou uma variação na nomenclatura, IoMT: Internet of Medical Things –, a tendência é de alta procura em razão do ganho de qualidade que esta solução pode conferir a todo o segmento.
No trato com os pacientes, ela auxilia, por exemplo, no acompanhamento à distância dos pacientes. Isso garante mais efetividade a tratamentos e evita deslocamentos sem necessidade – seja para o hospital, seja internamente nas unidades de tratamento.
No Saratoga Hospital (NY), o uso de sensores inteligentes no monitoramento dos sinais vitais dos internados permite identificar mínimas alterações nos quadros clínicos em tempo real, alertando as equipes médicas a tomarem medidas preventivas imediatas. Com isso, o hospital reduziu em 63% o volume de internações na UTI, onde o custo do paciente é muito superior em comparação ao de um quarto comum.
O uso do IoT atua também na manutenção preditiva de equipamentos hospitalares de alta precisão, como câmaras de ressonância magnética, scanners, máquinas de raio-X ou de imagem, evitando que haja a interrupção no funcionamento por falha. Um destes recursos foi desenvolvido pela Philips Healthcare: o e-Alert System. Ele monitora todas as máquinas de ressonância magnética da companhia em uso no mundo, gerando dados emitidos por sensores que antecipam riscos de falha ou detectam eventos críticos ativos, avisando a equipe técnica da fabricante para efetuar o reparo local ou remotamente, via software. Os dados obtidos da situação ainda são compartilhados a todos os times de manutenção da empresa globalmente, com vistas a ajudar a garantir a atividade dos outros dispositivos.
A Mobilidade é outro setor que tem se reinventado com o uso dos sensores. O impacto abrange desde a gestão do transporte público, como vimos anteriormente, aos modelos de deslocamento privados e individuais. O desenvolvimento pleno de um deles, em especial, tem sido muito aguardado: a locomoção por meio de veículos autônomos.
Eis aqui um exemplo de utilização full do IoT. A inteligência gerada a partir de sensores conectados permitirá diálogos simultâneos e em tempo real entre veículos, infraestruturas viárias, sistemas de controle de tráfego e pedestres. Um ecossistema complexo, associado a diversas outras tecnologias e que promete revolucionar a maneira como o ser humano se deslocará no futuro.
Tecnologias que evoluíram junto
Se por um lado, registrou-se o aumento do monitoramento da produção por meio do uso de sensores que conectam máquinas à internet na última década, também foi possível presenciar uma grande evolução na capacidade computacional de processamento destes dados gerados pelo IoT. Tecnologias como o 5G e o edge computing, por exemplo, ganharam avanços consideráveis e se tornaram aliados fundamentais para o próprio desenvolvimento da internet das coisas.
Neste contexto, vale destacar o papel do edge computing. Ao levar o processamento para a borda, este recurso de computação se tornou essencial para uma solução que se apoia na ideia da geração de dados tempo real como faz o IoT.
Quando temos um ambiente onde máquinas conversam entre si, gerando grandes volumes de informação, é essencial que este processamento seja absolutamente ágil para que a latência – a fração de tempo entre a requisição da ação e a resposta – seja a menor possível. Isso influi diretamente na qualidade das decisões a serem tomadas, por exemplo, na gestão de uma fábrica, com reflexo direto no sucesso do negócio.
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De toda forma, é importante destacar que a evolução não deve ser apenas tecnológica. É preciso que a ideia de gestão das empresas também evolua, preparando as companhias para extraírem o máximo dos benefícios proporcionados por inovações como o IoT. Isso passa também pela qualificação da mão de obra e pela facilitação ao acesso à uma formação tecnológica de alto padrão pelos cidadãos, a fim de se usufruir tudo o que estas tecnologias podem oferecer.
IoT, meio ambiente e o ser humano
Segundo os debatedores do encontro de governança digital do Fórum Econômico Mundial, as tecnologias conectadas já entregam significante progresso sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Em 2018, uma análise realizada sobre 640 aplicações de IoT feita pela consultoria IoT Analytics mostrou que 84% delas direcionavam – ou tinham potencial – para atender as metas ESG das empresas. A justificativa está no uso mais eficiente de recursos naturais, no desenvolvimento de técnicas de construção melhores, menos dispendiosas e poluentes, em cidades mais inteligentes e inclusivas, e na criação de alternativas de energia mais limpas e acessíveis.
O limite do uso do IoT, portanto, depende unicamente da criatividade humana. E, como toda inovação, este é um recurso gerado pelo homem e para ele. Assim, não há o que temer quanto à extinção ou ruptura de modelos de negócio, de processos produtivos, de tipos de trabalho ou de hábitos de consumo que possam ser ocasionados pelo IoT. É necessário se captar o zeitgest, o espírito do tempo que rege o momento atual e buscar a melhor adaptação – seja como empresa, cidade, nação ou indivíduo – na busca por construir um futuro onde as inteligências criativas tornem a vida mais produtiva, sem dúvida, mas também mais feliz.