Em 2010, quando iniciou suas atividades, o Centro de Operações Rio (COR) tinha como proposta inaugural atender demandas ligadas a desastres naturais. Mais de uma década depois, o centro atua na melhoria da mobilidade urbana, na gestão de grandes eventos – como foi nos Jogos Olímpicos de 2016 – e no gerenciamento de crises que fizeram dele referência internacional.
Alexandre Cardeman, Chefe Executivo do COR revela ao jornalista Fabiano Mazzei – neste episódio do podcast greenTALKS, “Como a tecnologia pode ajudar a melhorar a qualidade de vida das cidades brasileiras?” –, detalhes do trabalho desenvolvido no centro, quais as plataformas e inovações são utilizadas, o papel da sociedade neste processo e de como o COR ajudou o Rio a se tornar a cidade mais inovadora do País, segundo ranking do Connected Smart Cities & Mobility 2021.
Fabiano Mazzei: Olá, seja muito bem-vindo, seja muito bem-vinda a mais um episódio do podcast do greenTALKS. Lembrando que você pode acompanhar este conteúdo no nosso canal no YouTube, no Spotify, e também aqui no blog INSIGHTS.
Este episódio traz um convidado muito especial para falar sobre um tema também muito especial, muito relevante, que é “Como a tecnologia pode ajudar a melhorar a qualidade de vida das cidades brasileiras?”
É Alexandre Cardeman, Chefe Executivo do Centro de Operações Rio (COR), que vai conversar com a gente sobre essa história toda e sobre o papel especificamente do COR nesse processo. Alexandre, muito obrigado pela presença e por aceitar o convite.
Alexandre Cardeman: Por nada, é um prazer, Fabiano, estar aqui para poder bater um papo sobre cidades inteligentes e o centro de operações.
Fabiano: Muito bem, vamos começar então falando sobre o COR, que é um centro de referência internacional nessa proposta de atuação que ele tem. Quais as atividades principais que o COR realiza hoje, Alexandre?
Alexandre: Então, o COR nasce em 2010, após um grande desastre natural que acontece na cidade do Rio de Janeiro, com diversas vítimas, e o prefeito na época, Eduardo Paes, entende que há uma necessidade de ter um local onde pudesse coordenar e organizar todos os problemas que acontecem na cidade.
A partir disso, se entende que era necessário fazer uma coordenação integrada, ter uma comunicação única, poder ter dados consolidados, fazer inter relacionamento entre agências. A partir disso, compreendemos que não serviria só para desastre natural, mas para toda a vida urbana. Você tinha outros fatores que acontecem na cidade e que precisavam ser integrados e começamos a montar o Centro de Operações Rio, em 2010. Primeiro com uma visão de Defesa Civil, de emergência e, durante o projeto, antes da inauguração e no planejamento do Centro, passamos a inserir mais e mais temas para o monitoramento da cidade: mobilidade urbana, outras ocorrências que acontecem na cidade, se preparando para todos os eventos que vão acontecer no futuro.
Então, a gente agregou diversos outros fatores apurados em outras agências que não estavam no nosso planejamento inicial e fomos inserindo, o que fez com que a gente ficasse grande, fosse mais sólido, tivéssemos uma variedade muito grande de agências dentro do Centro de Operações. Isso fez com que pudéssemos ser, hoje, uma referência internacional.
Fabiano: Você citou, Alexandre, sobre várias agências que trabalham integrados no Centro. Eu queria saber agora quais são as tecnologias que você utiliza, que o Centro utiliza no seu dia a dia, em especial quando a gente fala de mobilidade urbana.
Alexandre: A gente vem trabalhando em cima de plataformas de mobilidade urbana. Temos aqui dentro o Centro Integrado de Mobilidade Urbana, que é uma parceria entre a Secretaria Municipal de Transporte e Secretaria de Estado, o próprio COR e diversas agências – Metrô, Supervia… – e temos usado diversas plataformas de mobilidade urbana para que possamos ter a informação em tempo real, o monitoramento inteligente, a gestão integrada. Para isso, a gente vem usando algumas tecnologias que são importantes. Por exemplo, estamos trabalhando com a própria green4T – com o Trancity e a Scipopulis –, com algumas informações que chegam dos modais e que a gente transformou num painel de Aglomerômetro, quer dizer: durante a pandemia, a gente começou a trabalhar no painel de aglomeração com informações de como cada modal funciona na prefeitura. Então, são plataformas que vêm apoiando, auxiliando e dando suporte para melhorar as políticas públicas da Secretaria de Transporte.
Fabiano: Perfeito, integrando agências e tecnologias, a gente pode fazer um retrospecto de um evento grande que aconteceu no Rio, as Olimpíadas de 2016, onde a atuação do COR foi bastante importante. Você pode falar um pouquinho para a gente como é que foi isso, como aconteceu?
Alexandre: Então, foi uma preparação desde 2009. Quer dizer, o Rio ganha naquele ano o direito de fazer a Olimpíada e, a partir disso, há um trabalho em conjunto de planejamento urbano e, principalmente, de mobilidade urbana entre a cidade do Rio de Janeiro e o Comitê Olímpico Internacional, apoiado pelo Comitê Local dos Jogos de 2016. E isso fez com que a gente melhorasse o planejamento urbano da cidade.
Nesse momento, é criado o Centro Integrado de Mobilidade Urbana e a gente começa a trabalhar nas contingências: ‘o que poderia acontecer para que as pessoas não conseguissem chegar nos estádios?’ Esta é a maior preocupação de uma Olimpíada, de um planejamento de uma Olimpíada, que as pessoas consigam chegar nos estádios vindo de onde elas estiverem, para que possam ver os jogos tranquilamente. Esse é o grande objetivo de uma Olimpíada, na realização dos Jogos, e esse era um desafio muito grande.
Então, a partir disso, a gente começou a trabalhar com planejamento mais integrado, com uma relação muito maior entre todos os modais e as Secretarias de Transporte Municipal e Estadual.
Fabiano: Só fazendo um adendo aqui, você comentou que a origem do COR vem de uma catástrofe, de um desastre natural. A atuação do COR neste sentido, de ajudar a prevenir e a mitigar o impacto de um evento climático como esse que temos vivido bastante nesse momento de mudanças climáticas, é um papel muito importante, não?
Alexandre: Com certeza, o que acontece é que a gente vem há pelo menos uns 10 anos trabalhando dentro do Centro de Operações e notando uma mudança climática muito grande. Temos verões com muito calor, com muita chuva, e isso é um estudo que tem sido feito muito grande em comportamento.
E a cidade se movimenta o tempo todo, é muito dinâmica também. Você não tem uma construção no meio de uma via e, de repente, começa a surgir um edifício, alguma coisa e aquilo ali pode gerar um ponto de alagamento, por exemplo. A partir disso, já se terá um problema de mobilidade urbana quando chove. Aí você precisa começar a trabalhar em cima de desse ponto de alagamento.
Isso mudou muito desde 2016. Como tivemos muitas obras nas Olimpíadas, foram muitos pontos de alagamentos que aconteceram na cidade e isso fez com que a gente tivesse que cada vez mais estudar o comportamento da cidade – não só a mobilidade urbana, mas também problemas de inundação, alagamentos, quedas de árvore. Então, isso fez com que a gente interligasse transporte urbano, eventos e ocorrências de desastres naturais e de causas eventuais, como quedas de prédios e viadutos.
Esses sistemas de monitoramento todos se juntaram, assim como a segurança pública, e isso que faz com que o COR seja demandado o tempo todo, reagindo e promovendo as ações que têm de ser feitas.
Fabiano: Trabalho não falta, pelo visto. Vamos lá, trazendo mais para o presente, município do Rio de Janeiro acabou de ser premiado em um evento importante – o Connected Smart Cities – ficando em 1º lugar no Ranking de Tecnologia e Inovação e em 7º lugar no Ranking Geral. Qual foi o papel do Centro nesse processo?
Alexandre: Então, a gente vem trabalhando com esses indicadores de resultados, conversando com todos os grupos que estudam indicadores de cidade inteligente para entender onde a gente pode melhorar. E o Centro de Operações tem um canal de inovação, de tecnologia, sempre teve. Além de ser uma operação que tem de ser integrada, de ter relacionamento, a gente pensa muito em automatização e como melhorar a vida do cidadão através da tecnologia e da inovação.
Assim, criamos vários desafios para a sociedade, fizemos já dois desafios de startups – e estamos entrando no terceiro – e neles provocamos o cidadão e os empreendedores usando problemas urbanos reais, vividos no dia a dia da cidade, que colocamos para serem resolvidos. Com isso, tivemos quatro startups já certificadas. Agora, o terceiro desafio é sobre interação com o cidadão: como melhorar a interação com o cidadão, um tema que chamou a atenção e foi um item importante para a qualificação do Rio no ranking de cidades inteligentes.
Fabiano: Isso é muito inclusivo, você colocar a sociedade para participar na criação da solução, é muito importante…
Alexandre: Com certeza, eu acho importante e temos trabalhado para montar um ecossistema. Agora, existe uma PPP aqui que está surgindo, de iluminação pública, e vamos ter uma expansão do COR, aumentando o nosso leque de sensores e de atuação. A ideia de criar um ecossistema onde, além de integrar operações com o governo, a gente consiga incluir ONGs, agências não governamentais, que trabalham com um tema importante como o C40, de sustentabilidade com resiliência.
Temos trabalhado nisso há 2, 3 anos e estamos intensificando nossa interação com as universidades. Entendemos que elas precisam estar próximas à realidade urbana, ao que acontece na cidade. Então, as teses de mestrados precisam estar muito junto do que acontece na realidade, por isso esse segmento acadêmico precisa estar junto deste ecossistema.
Grandes players também, estamos trabalhando junto com inovações em seus produtos, já semi-prontos ou prontos, para poderem também colaborar e trabalhar nessas pesquisas de desenvolvimento. Fundações, bancos fomentadores também, quando a gente entender que possam alavancar e sustentar todo esse ecossistema. Temos de conversar com o BNDES, BID, Banco Mundial, Firjan, Faperj, que são órgãos que farão com que esse fomento não seja único, mas que possa acontecer sempre. Então, a gente tem apostado muito nesse ecossistema.
Fabiano: Muito bom. Bem, trazendo um outro assunto mais recente, que é a questão dos desafios da Covid, como é que o COR trabalhou e ajudou a mitigar os efeitos disso no dia a dia da cidade?
Alexandre: Com a capacidade de monitoramento que temos aqui, nós começamos a entender o comportamento da cidade. Em parceria com algumas operadoras de telefonia, que forneciam a localização de antenas, conseguíamos acompanhar o deslocamento das pessoas, se movimentando entre a origem e o destino. Na época do começo da pandemia, uma época muito estranha, estava quase tudo vazio e qualquer movimentação já nos alertava porque não era nada normal. Poucos carros andando na rua…
Fabiano: A circulação de pessoas caiu muito, não?
Alexandre: Caiu demais, então, começamos a ver as movimentações e a informar ao Executivo de que em determinados lugares tínhamos essa confirmação visual. Junto às autoridades da ordem pública, fizemos algumas ações contra as aglomerações para isolamento social.
Além disso, começamos a pegar informações de todos os modais e fizemos um índice de quanto cada um estava perdendo de passageiros e também a quantidade de pessoas que estavam utilizando estes modais. Então, a gente fez um painel em que tínhamos ali, semana a semana, o quanto caía a movimentação desses modais e a capacidade de ocupação de cada um deles naquele momento – a maioria era 50%, mas as barcas, por exemplo, só podiam andar com 10% do total de passageiros de antes da pandemia.
Fomos monitorando isso e percebendo qual era a movimentação ao longo da pandemia. Percebemos que, quando as fases da quarentena iam se abrindo junto com a economia, isso levava a ocupação aos patamares máximos do modal – ou mesmo ultrapassava. Nós informávamos ao executivo alertando sobre como aquilo estava afetando toda a movimentação de pessoas e que poderia ter algum problema de sobrecarga do sistema, agravamento da pandemia ou mesmo de contaminação.
Fabiano: Esse controle da movimentação também utilizava câmeras ou sensores térmicos?
Alexandre: Nós tínhamos algumas câmeras em alguns pontos da cidade para fazer um levantamento da média de pessoas que estavam andando na rua diante daquela câmera. Com isso, conseguíamos medir por hora ou por dia esse volume e começamos a fazer uma comparação com semanas anteriores ou com antes da pandemia. Isso indicava o percentual de isolamento social em determinados bairros da cidade. Por exemplo, no bairro de Botafogo, tivemos em determinado momento 80% de isolamento social e pudemos calcular isso pelo número de pessoas que passavam ali pelas nossas câmeras a cada hora: de 200 pessoas para 10 em certas semanas. Fizemos esses comparativos para termos uma visão da movimentação em diversos bairros da cidade.
Fabiano: Maravilha, um grande trabalho. Para finalizar, como é que você enxerga o papel da tecnologia – de uma forma mais ampla – para ajudar a melhorar a qualidade de vida das cidades brasileiras? Entendendo que vivemos em um país muito diverso, muito grande, muito desafiador sob vários aspectos. Mas com a sua experiência, como acredita que a tecnologia pode efetivamente ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas e das cidades?
Alexandre: Fabiano, eu aposto muito na captação das informações e trabalhar muito a visão comportamental. Eu acho que a Inteligência Artificial, essas análises cognitivas, preditivas, vão influenciar muito nas decisões executivas de gestores municipais. Porque hoje você tem que entender comportamento pessoal e comportamento de como as cidades se comportam em cenários normais, em cenários de ocorrência, nos feriados e fins de semana. Você vai entendendo a cidade e como ela vai evoluindo.
Eu acredito muito que a gente vá começar a entender que isso fará com que se crie políticas públicas bem direcionadas aos comportamentos das pessoas. No futuro, a gente vai descobrir onde a pessoa trabalha, a origem e o destino, a rota que ela faz, como se movimenta, qual o tipo de modal, e trabalhar tudo isso na criação de novos empregos, por exemplo.
Por exemplo: uma pessoa aqui no Rio que mora em Campo Grande e vai trabalhar no Centro, quando se começa a entender o comportamento daquela região de origem, crie-se trabalhos ali para que aquela pessoa não precise deslocar mais já que existirá uma nova economia acontecendo ali, classificando aquela pessoa como qualificada para poder trabalhar lá. Assim, você consegue fazer essa conexão e evitar com que a pessoa não se movimente para tão longe. Passa a mudar a vida dela, vai começar a ir de bicicleta para o trabalho ou se deslocará menos para pegar um modal.
Isso faz com que essa movimentação urbana e essa governança de dados de uma cidade comece a ser melhor trabalhada. Vale para a educação também: quando não se tem dados comportamentais de um professor ou aluno, por exemplo, não sabe onde mora, você os obriga a andar uma hora de ônibus mesmo que a criança more próxima a uma escola pública. Então, eu acho que isso vai mudar muito.
A tecnologia vem para ter essa junção de dados, gerar um grande data lake e, a partir disso, poder entender comportamentos, como as pessoas vivem, trabalham, o lazer delas, o que gostam e preferem fazer e onde. Com essas informações, é possível se trabalhar para dar uma qualidade de vida melhor para as pessoas.
Fabiano: Muito bem, realmente o nosso tempo acabou, mas essa é uma conversa que poderíamos esticar por mais duas horas. Hoje, tivemos o privilégio de conversar com Alexandre Cardeman, que é Chefe Executivo do Centro de Operações Rio. Falamos de muita coisa, mas essencialmente de “Como a tecnologia pode ajudar a melhorar a qualidade de vida das cidades brasileiras?” Alexandre, muito obrigado e, mais uma vez, foi um prazer conversar com você.
Alexandre: Foi um prazer, Fabiano. O Centro de Operações Rio está aí, à disposição. Eu gostaria de pedir que as pessoas baixem o aplicativo do COR, porque é uma ferramenta fundamental para a interação do cidadão e também entre nas páginas do Centro de Operações no Facebook, no Instagram e no Twitter, para que possam interagir com a gente entender o nosso papel como governo e como serviço público.
Fabiano: Muito bem, fica a dica então e se você gostou deste episódio, curta compartilhe e também siga o nosso canal no YouTube e as nossas redes sociais – sempre com conversas como essa e muito conteúdo relevante sobre tecnologia. Muito obrigado pela audiência e até a próxima.