O que estará no centro do debate sobre tecnologia no Brasil em 2022? Episódio 29

O ano será marcado no País pelo início do desenvolvimento da rede 5G. No mundo, uma nova e complexa tecnologia também dá os seus primeiros passos: o metaverso. E tudo será diferente a partir de agora.

O que estará no centro do debate sobre tecnologia no Brasil em 2022? Episódio 29

Os próximos passos do 5G no Brasil, os desafios de infraestrutura de conectividade para extrair a melhor performance da nova banda larga, os setores produtivos e sociais que se beneficiarão da nova tecnologia de baixa latência e alta velocidade e, por fim, as primeiras impressões do metaverso, o ambiente virtual 3D compartilhado que promete revolucionar o modo de vida das pessoas e os modelos de negócio das empresas. Este é o pano de fundo para o episódio 29 do podcast greenTALKS.

Convidamos o professor e especialista em inovação, IoT e conectividade digital, Edelvicio Souza Jr., para comentar os temas relacionados anteriormente. E ele deixou clara a sua posição quanto a este novo e complexo momento de (re)evolução tecnológica que começamos a atravessar agora: “É difícil dizer para onde estamos indo, mas é fácil afirmar que não ficaremos mais aonde estamos.”

Acompanhe a seguir a transcrição da entrevista dada ao jornalista Fabiano Mazzei para o podcast:

Fabiano Mazzei – Olá, seja muito bem vindo, seja muito bem vinda a mais um episódio do podcast greenTALKS. Eu lembro a você que este conteúdo está disponível em nosso blog insights, no site da green4t, e também em todas as nossas mídias sociais.

Neste episódio, vamos debater o que estará no centro do debate tecnológico do Brasil em 2022 ¬– 5G, edge computing, metaverso, IoT, enfim. E para conversar conosco, convidamos o Prof. Edelvicio Souza Jr., que é Especialista em Inovação Industrial da EMBRAPII (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), Professor convidado da Fundação Dom Cabral, articulista do portal IT Fórum, do grupo IT Mídia – em temas relacionados à transformação digital. Ele integrou também o Comitê de Avaliação do Prêmio das 100 Empresas Mais Inovadoras, organizado pela IT Mídia em 2020 e 2021. Edelvicio Jr. é ainda membro do Conselho de Tecnologia e Inovação da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), integrou a Câmara de IoT, coordenada pelo Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação que elaborou o Plano Nacional de IoT. É bastante coisa, professor! Muito obrigado pela presença e seja bem-vindo aqui ao podcast mais uma vez.

Edelvicio Souza Jr. – Muito obrigado, é um prazer imenso estar aqui de novo ao receber um honroso convite da green4T para compartilhar um pouco da visão do cenário para 2022, sobre todas essas tecnologias que virão, os rumos e o impacto do 5G na nossa economia. Falar também sobre metaverso, computação de borda. Mais uma vez, obrigado pelo convite.

Fabiano – Nós que agradecemos, professor. Você esteve aqui no ano passado e a gente conversou um pouco sobre o desafio da infraestrutura de conectividade do Brasil. Antes de entrar no nosso tema deste episódio, eu queria saber um pouco sobre como esse assunto evoluiu, na sua visão do país, de um ano para cá.

Edelvicio – Pois é, parece que foi ontem, eu me lembro perfeitamente do nosso último episódio: falávamos sobre o leilão do 5G e do seu possível impacto, bem como da demora no processo. Graças a Deus, o leilão ocorreu e os contratos já foram assinados. Nesta fase inicial de implantação, outro tema que nós falamos também, mas que infelizmente não sofreu muita alteração, foi a exclusão digital. As infraestruturas de conectividade infelizmente ainda não chegam a todos os brasileiros. Então, se por um lado há o lado positivo – afinal, o leilão ocorreu e o Brasil finalmente vai implantar a rede 5G nos próximos anos –, por outro, a gente continua com uma parcela significativa da população brasileira sem acesso à internet. Durante o ano passado, o impacto negativo disso ficou evidenciado de sobremaneira nas famílias de baixa renda, nos jovens das famílias da classe D e E, onde nós temos hoje 29% da população brasileira sem acesso à internet.

Essa taxa altíssima de população desconectada tem impacto na vida das pessoas em si, na economia, no trabalho e na educação, com boa parte das aulas remota até o final do ano passado. Nas escolas públicas principalmente, o impacto disso foi muito grande. Então, se por um lado tivemos uma evolução, no outro eu diria que a gente regrediu ou estabilizou dentro desse impacto negativo da falta de conectividade.

E não é o 5G que vai resolver o problema da exclusão digital. Muito pelo contrário: ele pode até agravar essa exclusão se nada for feito no sentido de trazer cobertura de acesso de banda larga de qualidade não só para as escolas públicas, mas também para os domicílios da população de baixa renda. Temos mais de 40% das escolas rurais sem acesso à internet; 3,2% das escolas públicas brasileiras que têm acesso à internet possui sinal de qualidade. Então, esse é um lado negativo desde o nosso último podcast: a exclusão digital ainda impera no Brasil e os impactos serão sentidos em uma geração inteira, que está perdendo a oportunidade de usufruir dos benefícios e de crescer profissionalmente. Ão escolar durante a pandemia, pela falta de condições de acessar a internet.

O edital do 5G prevê a obrigação de investimento a uma faixa de frequência específica para aumentar a estrutura de conectividade, mas isso vai se dar ao longo do tempo. Outra ação específica seria um investimento do FUST (Fundo de Universalização do Serviço de Telecomunicações) na cobertura dessas áreas não atendidas. Mas isso também está em discussão no Congresso. O que eu espero é que no próximo podcast que fizermos juntos de novo, esse seja um tema que tenha evoluído no Brasil, a infraestrutura de conectividade.

Fabiano – Bom, falando então de infraestrutura tecnológica e de conectividade, a gente avançou na questão do 5G porque de fato aconteceu o leilão tão esperado. Para entender: o que será preciso transformar para que essa tecnologia seja, de fato, um divisor de águas positivo para as empresas, organizações e cidades?

Edelvicio – Bom, esse é um tema extremamente atual no mundo, não apenas no Brasil. Qual o impacto? Existe muita teoria ainda, há muito discurso sobre o real impacto do 5G mas, na prática, existem ainda pouco cases bem sucedidos e que estão sendo implantados agora em alguns países. No Brasil, estamos iniciando o cronograma de implantação. Foi criada uma expectativa muito grande sobre possíveis benefícios que uma infraestrutura de tecnologia de rede de alta velocidade traria – até com promessas até um pouco duvidosas.

Eu costumo dizer que a gente sempre olha o copo meio cheio do 5G. A gente tem olhar também o copo meio vazio, para entender aquilo que ele não é e nem se propõe a ser. O 5G é uma infraestrutura de conectividade e infraestrutura é um meio, não um fim. Então, se a gente se pautar pelo cronograma da Anatel, do edital, nós vamos ver que a implantação é gradativa, até porque o Brasil é um país continental, onde teremos inicialmente as capitais e as grandes cidades atendidas. Só vamos ter cobertura em cidades com até 500 mil habitantes em julho de 2025. Posteriormente, aquelas com até 200 mil habitantes em julho de 2026; e de até 100 mil habitantes em 2027. O cronograma prevê ainda que as cidades com até 30 mil habitantes terão cobertura até 2029, ou seja, é um programa extenso.

Mas a gente deve pensar que, hoje, o 4G não cobre toda a infraestrutura brasileira. E que temos mais de 20 mil usuários com 2G, que é a rede analógica. Há ainda um número expressivo de usuários pelo 3G. Portanto, nós temos todo um processo de migração desses usuários que não estão ainda sequer no 4G e incluir áreas que ainda não são assistidas. Então, o que é importante entender é que o 5G não irá resolver todos os nossos problemas: ele não irá.

Um outro ponto importante é o modelo de negócio do 5G que as operadoras vão oferecer. Esse é um grande desafio e a experiência mundial mostra que está sendo frustrante para muitos países. O modelo de negócio que as operadoras estão acertando ainda é fortemente focado em dados. A Ericsson fez uma pesquisa no ano passado onde 75% dos usuários 5G ao redor do mundo estão insatisfeitos com o serviço que estão sendo oferecidos porque não veem valor adicionado frente ao que eles tinham no 4G. Na Coreia do Sul, que é o país mais evoluído hoje na implantação de 5G, grupos de usuários estão entrando na Justiça pedindo ressarcimento por danos em razão de promessas não cumpridas.

Então, o que a gente tem que ter em mente é o seguinte: o 5G é uma estrutura, uma mudança completa da tecnologia com muitos ganhos que você vai ter, mas essas mudanças não acontecem da noite para o dia. Elas dependem, no Brasil, de política pública e de investimentos.

Um terceiro fator de desafio para as operadoras é a Lei de Antenas, onde a concessão das antenas e liberações são feitas de município a município. Isso é muito demorado no Brasil. Tem casos no 4G de município que demora mais de um ano para liberar uma antena. E o 5G por si só é uma rede de alta frequência que requer mais antenas. Portanto, será preciso ter mais concessões e mais liberações. Então, existe um grande desafio para a gente galgar os benefícios que o 5G vai nos proporcionar. Vamos conviver muito tempo ainda com o 4G. É uma migração que será feita aos poucos.

Outro ponto que eu gostaria de citar é a falta mão de obra qualificada. Essa é uma falta que mundial, não é só no Brasil. O 5G requer skills que a gente infelizmente não tem ao redor do mundo que trabalha com aplicações de baixa latência. O que está acontecendo nesses países é que não existem profissionais qualificados para o momento – seja para a implantação das redes ou suporte a elas na escala que se pretende, entre outras aplicações. Então, durante algum tempo a gente vai conviver com o desafio de qual modelo de negócio que as operadoras vão oferecer, diferenciado e que fuja para além dos dados; novos players irão surgir, não tenho dúvida nenhuma disso, até para explorar os conceitos e os benefícios de uma rede de baixa latência e alta velocidade. E a gente vai falar mais na frente, suplementar o metaverso com as aplicações fortemente focadas em 3D e em realidade aumentada.

Vamos ter um ou outro espectro de aplicações corporativas e de lazer que requer um profissional extremamente mais capacitado. Então, é importante entender que o 5G é a rodovia, mas por trás da rodovia precisa ter toda uma estrutura para que todo o benefício que ela é capaz. Então, nós estamos começando e temos um longo desafio – que não é brasileiro, mas mundial.

Nós estamos passando por uma migração e essa mudança é gradativa. É importante “setar” as expectativas. Eu nunca vi uma discussão de tecnologia com tanto marketing, tanta gente falando sobre o que não entende, principalmente, que o 5G vai fazer crescer tanto o nosso PIB, aumentar nossa taxa de emprego… essas são coisas teóricas que, na prática, o 5G por si só não garante isso. Do contrário também: que o Brasil ia perder se o leilão não acontecesse, que sofreria uma retração da economia. Hoje, o Brasil não tem sequer uma cobertura 4G em todo território brasileiro. Não é a infra que garante isso: é toda uma política de Estado, investimentos e a capacitação da mão de obra. Isso é o mais importante: qualificado para suportar os requisitos que uma rede de baixa latência exige.

Fabiano – Eu aproveito esse gancho dos desafios: a gente tem ouvido falar muito que as redes privadas terão um importante papel para levar essa potencialidade do 5G a regiões onde talvez o 4G nem esteja totalmente implantado. Como é que você vê o papel das redes privadas de 5G para desenvolver regionalmente a conectividade de um país como o Brasil?

Edelvicio – Esse é um tema interessante até porque o Brasil um país extremamente disperso, onde temos fazendas que são maiores que muitos países. E nestes locais não há infraestrutura de conectividade porque o custo-benefício não se viabiliza. Então, você não pode impedir, por exemplo, que essas fazendas que ficam ao redor dos municípios do interior do Brasil, com grandes investimentos feitos, de crescer do ponto de vista tecnológico para usar recursos de realidade aumentada ou uma indústria 4.0, uma mineradora, que use aplicações baseadas em plataformas IoT. É natural que, para que se alcance os benefícios do 5G, com plataformas IoT e aplicações focadas em algoritmos de inteligência artificial, seja feitos investimentos privados além daqueles previstos pelas operadoras de celular, segundo cronograma do leilão.

Eu vejo de forma natural essas redes privadas. Elas vão acontecer até porque muitos destes grandes empreendimentos estão em regiões não assistidas. Falei rapidamente anteriormente sobre o cronograma: só teremos cobertura 5G 100% em cidades de até 30 mil habitantes em 2029. E são em cidades assim e até menores que são estas localidades que abarcam, muitas vezes, grandes investimentos industriais e agrícolas.

Por isso, eu acho que é irreversível que investimentos privados sejam feitos. E eu acredito fortemente que novos players irão surgir, oferecendo, por exemplo, conectividade 5G associada a plataformas de IoT e aplicações de clientes de edge, acredito fortemente que novos players virão explorar esse nicho de mercado – até mesmo spin offs das próprias operadoras de telefonia vão enxergar nesse mercado um nicho que vai além do leilão, por exemplo. Essa é uma realidade que eu acho inevitável pelo tamanho do Brasil inclusive.

Outro ponto que eu queria colocar são os satélites de baixa órbita, como o Earth Link, que o Elon Musk está implementando, de cobrir toda a órbita terrestre. Esse é o investimento que oferece taxas, mas que pode ser uma parte de uma rede 5G, onde essa primeira conectividade, o primeiro acesso seja feito via satélite e depois se integra a um backbone 5G, por exemplo. Isso é algo que vai acontecer no Brasil, até porque o investimento é muito menor do ponto de vista de estrutura. Então, eu vejo muito híbrido: redes privadas usando satélites de baixa órbita conectado com infraestrutura 5G explorando por exemplo, plataformas IoT, aplicações baseadas em inteligência artificial, realidade aumentada e virtual ou coisa parecida.

Fabiano – Você tem citado nas suas respostas algumas tecnologias e eu quero aproveitar esse gancho também. Além do IoT e edge computing, que outras tecnologias vão se beneficiar ou colaborar para que o 5G se desenvolva de fato aqui no País?

Edelvicio – Se a gente for pegar um retrato das principais tecnologias que hoje estão orientando a economia mundial, boa parte das tecnologias não são recentes: foram criadas nas décadas de 1950, 60 e 70. O IA, por exemplo, surgiu na década de 1950. Então, o que está acontecendo com essa explosão tecnológica se deve à evolução exponencial que estes recursos estão conquistando. A migração do 5G será um divisor de águas não só por si só, mas por oferecer suporte à baixa latência.

Para as pessoas entenderem o que é uma baixa latência, de uma forma bem simples: é o tempo decorrido entre um comando dado a um dispositivo e a ação requerida ocorrer na rede – isso em milissegundos. Quanto menor a latência, mais responsiva é a aplicação. Imagine em uma operação de telemedicina e o comando do médico demorar um segundo para aquela ação ocorrer: o paciente pode ter morrido! Ou em um carro autônomo, onde demorar a tomar uma decisão de freia ou não freia, o que pode causar um acidente. Então, essas tecnologias elas convergirão e o melhor exemplo disso é o metaverso, que falaremos mais adiante. Lá você tem recursos e aplicações como realidade aumentada, blockchain, inteligência artificial em algumas aplicações, plataformas de IoT.

O que nós vamos ver agora com o 5G é uma infraestrutura de conectividade que eu associo, na minha opinião, para atingir locais remotos, a inclusão de satélites de baixa órbita como parte da conexão. Porque o 5G atua na camada de conectividade: acima disso, precisa colocar as aplicações e elas vão se beneficiar por algo que o 4G não oferecia, que é baixa latência e alta taxa de transferência (throughput, em inglês).

Então, eu diria que nós vamos viver agora um outro patamar quando as redes 5G estiverem plenamente implantadas – e vai demorar alguns anos para isso, por isso que eu digo firmemente em alguns cases de redes privadas – um outro patamar, uma evolução muito maior ainda no uso de tecnologia nos negócios e na nossa vida. A migração que houve nos últimos dez anos foi extremamente elevada, mas o que veremos agora é algo mais elevado ainda. Eu diria que a gente vai ter uma taxa exponencial de crescimento dessas aplicações no nosso dia a dia. Ou seja, a nossa vida vai mudar muito mais que já mudou. Não pelo 5G só, mas pelo que oferece como parte de um ecossistema do qual vai ter uma participação importante.

Fabiano – A gente falou aí de benefícios às pessoas e eu gostaria de dar um enfoque agora de quais setores produtivos vão se impulsionar com o 5G. Porque o 5G e sua baixa latência citada como principal atributo, colabora para uma conversa entre máquinas que é fundamental no desenvolvimento do carro autônomo, por exemplo. Quais os setores produtivos se beneficiarão mais do 5G?

Edelvício – Qualquer aplicação que requeira alta velocidade e baixo tempo de resposta. Por exemplo, a saúde, que será extremamente beneficiada no que tange não só as teleconsultas ou cirurgias, embora eu acredite e estudos mostram que a cirurgia efetivamente remota só não acontecerá agora, mas quando o edge computing estiver amplamente implementado e eliminar a necessidade da nuvem para tomar uma decisão. Quando o processamento e armazenamento estiver próximo a execução.

A área da indústria 4.0, com aplicações cada vez mais fortes em Realidade Aumentada e Realidade Virtual, já usadas atualmente não só na parte de projetos, mas na manutenção preditiva e corretiva utilizando esse conceito remoto. A própria green4T já faz uso de Realidade Aumentada e o 5G vai possibilitar um aumento muito maior no número de aplicações.

A parte mídia vai mudar enormemente. Os novos dispositivos já focados exclusivamente em metaverso vão surgir e permitir interações muito mais rápidas não só para lazer, como também para aplicação em estudo e conhecimento na parte educacional. A educação deverá sofrer uma mudança grande também, já que o modelo educacional ao redor do mundo é completamente analógico, com raríssimas exceções. E a infraestrutura de conectividade vai permitir que o modelo educacional seja revisto do ponto de vista de plataformas.

O próprio conceito de smartphone que já faz parte do nosso dia a dia, ganhará novos para players e aplicações de interatividade. A área de games, talvez a que mais se beneficiaria e é a mais usuária, do ponto de vista plausível, desta nova conectividade de alta velocidade.

A área de games tem crescido absurdamente. Até porque requer o uso não só de um processamento local – notebooks com os servidores – mas também uma alta taxa de conectividade. Então, a área de games sofrerá uma revolução ao redor do mundo, uma coisa impressionante.

Isso vem junto com isso as plataformas de IoT, sensores nas casas conectadas e em cidades inteligentes – algo que demorou a decolar ao longo do tempo ao redor do mundo e, não tenho dúvida nenhuma, agora vão se desenvolver. Projetos de casas conectadas com eletrodomésticos eletrônicos inteligentes terão um crescimento enorme com o 5G.

Ou seja, se a mudança já foi drástica nos últimos dez anos, essa associação de tecnologias com uma infraestrutura de conectividade de baixa latência, a transformação agora será muito maior. Mas você tem um lado negativo que é a parte da segurança e privacidade, toda uma questão regulatória que precisa evoluir para atender a essas novas aplicações que surgirão.

Fabiano – Professor, nós mal nos acostumamos com a ideia da revolução que o 5G vai trazer na vida das pessoas e das empresas e das cidades e já aparece uma nova tecnologia para revolucionar ainda mais a maneira como tudo vai acontecer – o metaverso, que você já citou três vezes nesta nossa conversa. Eu queria que você comentasse, então, de que forma ela vai impactar de uma maneira geral e da necessidade de infraestruturas de TI robustas, resilientes e de alta performance para conseguir dar conta de tamanha carga de dados que essa tecnologia vai gerar.

Edelvicio – Esse é um tema extremamente atual. Se não me engano, foi a palavra mais pesquisada no Google nos últimos meses. É um dos assuntos mais comentados hoje em artigos e nas empresas, mudando até o seu modelo de negócio e até o nome do grupo, como foi o caso do Facebook. Na verdade, o termo ganhou mais ênfase no final do ano passado quando o Zuckerberg mudou o nome da holding do Facebook para a meta, buscando investir pesadamente nos players e líderes na área de metaverso.

Então, como falei anteriormente, muitos conceitos que nós estamos usando atualmente não são, na sua grande maioria e com raríssimas exceções, exatamente novos. A primeira vez que se falou em metaverso no mundo foi na década de 1980, no livro Snowcrash, onde um personagem se relacionava com um avatar – algo naquela época que as pessoas não conseguiram entender o que era. Esse conceito ficou morno, adormecido durante muitos anos, até porque a tecnologia não permitia o seu desenvolvimento. Não havia dispositivos de interface homem-máquina. infraestrutura de conectividade que permitisse a associação do mundo virtual ao real. Esse é o lado incrível do metaverso: o mundo virtual convivendo com o real não como ficção, como um filme, mas real, você mesmo interagindo com o mundo virtual.

A mudança de modelo de negócio do Facebook talvez trouxe o termo para a mídia, mas muitas empresas já estavam se posicionando no que tange a usar o metaverso. Um exemplo de um jogo que teve a ideia certa na hora errada foi o Second Life. Infelizmente, ele surgiu de uma ideia brilhante mas na hora errada. Na época, empresas fizeram pesados investimentos nisso na época, mas a tecnologia não permitia que aquele modelo de negócios progredisse.

Portanto, não existe um conceito universal de metaverso: cada empresa vai criar a sua definição no seu modelo de negócio. Eu adoto para mim um conceito que é uma forma simples de resumir o que metaverso como um espaço coletivo virtual e em 3D compartilhado onde você convive com um misto de conceitos e aplicações: RV, RA, internet, aplicações que dão suporte a esse mundo como blockchain, NFT fortemente focado em algoritmo e IA. São espaços virtuais onde pode criar e explorar novas experiências, se conectar com pessoas, se relacionar do ponto de vista de negócios operacionais ou mesmo no seu nível social com um avatar, por exemplo. Cada vez mais teremos um avatar que nos representa naquele mundo virtual.

Existem games novos que já trabalham com um conceito forte de metaverso, com um número de aplicações absurda. Se formos comparar, o metaverso é hoje o que foi o surgimento da internet na década de 90. Eu fui um dos pioneiros da rede de computadores no Brasil e os primeiros sites a gente não tinha a mínima ideia de onde aquilo ia chegar do ponto de vista de negócio – e chegou aonde estamos hoje. Estamos na infância desta nova tecnologia. Muitos novos modelos de negócio vão surgir e as empresas estão usando cada vez mais – e vão usar cada vez mais – novos modelos de negócios pautados no metaverso.

O grande problema atual é a parte regulatória, por ser um conceito muito novo ainda. As invasões de privacidade e o mau uso dos recursos merecem atenção. Recentemente, houve a primeira denúncia de assédio sexual e moral no metaverso, onde uma pessoa de avatar feminino acusou outra de avatar masculino de assediá-la sexualmente no ambiente virtual. E não existe legislação para isso ainda. Do ponto de vista do que há para fazer, nós estamos diante de um mundo novo e repleto de desafios.

Eu me lembro que muitos de nós foi impactado com a TV 3D. Eu queria ser um grande usuário daquilo, mas é muito cansativo você ficar muito tempo nele. Os dispositivos vão ter que evoluir para que você os use de uma forma amigável e não cansativa como aquelas aplicações que requerem a interferência de um dispositivo – e nem todas requerem. Para quem tem que ter uma ideia do que seria uma aplicação tipicamente de metaverso, basta lembrar o jogo Pokémon Go. Você ficava com o seu celular buscando objetos que não existiam fisicamente, no mundo real, mas para você estava ali.

Isso é uma aplicação muito simples do que seria metaverso. As empresas estão investindo em situações mais complexas e boa parte delas se posicionando com novos modelos de negócio com vendas de produtos no metaverso. Esse é um lado ainda muito obscuro. Os valores de transações estão sendo feitas hoje com NFT e em aplicações não necessariamente no metaverso – mas que devem migrar para lá – são transações absurdas, milionárias, cuja lógica ainda não está clara para mim. São valores que não têm relação nenhuma com o mundo real: você compra algo que não existe fisicamente. Eu sou dono de algo – e eu tenho a posse dele porque eu tenho um token que garante que só eu tenho aquela peça – e ela pode ser compartilhada e vista por várias pessoas, como um quadro, por exemplo, onde o original do quadro virtual é meu mas outras pessoas podem ter uma cópia dele no seu computador, embora o original seja meu. Eu posso ter um terreno no mundo virtual! Nós vimos agora em novembro, dezembro passados a maior transação imobiliária da história no metaverso, onde o metro quadrado de um terreno virtual que não existe é maior do que a mesma medida em Nova York ou São Francisco (EUA), que são algumas das áreas mais caras do mundo. A pessoa compra um terreno porque pretende construir o imóvel virtual que não sabe o que é. Então, são coisas ainda que não estão claras. Até que ponto é especulação, as moedas são digitais e difíceis rastrear, então, estamos vivendo um mundo novo.

E a sua pergunta foi onde entra a infraestrutura. Ela é a base de tudo. Você não tem como fazer essas aplicações se não tiver infraestruturas de conectividade de baixa latência e alta velocidade. Isso foi uma das razões do Second Life não ter virado um sucesso: era uma ideia certa na hora errada porque não tinha estrutura. Então, você cada vez mais vai ter aplicações de RA e RV, games, interagir com o avatar de pessoas numa reunião remota dentro do conceito de gêmeos virtuais, com a recriação digital de ambientes físicos. Uma das aplicações típicas de metaverso serão os “digital twins”, onde você transfere para o mundo digital um ambiente ou organização com interações entre as pessoas nesta realidade que simula os espaços de trabalho onde aquela reunião está acontecendo fisicamente. Então com esses aplicativos que nós usamos hoje para reuniões vão mudar e já estão mudando sensivelmente cada vez mais para o uso de avatares em um conceito de RA. Nas empresas, boa parte dos grandes players já estão criando suas lojas no metaverso. A Nike e a Adidas criaram recentemente ambientes onde vão lançar produtos inicialmente no metaverso, que não existe fisicamente, para o meu avatar usar e pago algumas centenas de dólares. Existem bolsas que custam mais US$ 1.000 para usar exclusivamente no meu avatar. Após essa interação do mundo virtual, é possível que o tênis vire ou não um produto comercial e físico.

Nós estamos vivendo agora um conceito novo de infraestrutura de conectividade no metaverso e das aplicações. É difícil dizer para nós vamos, mas é fácil dizer que vamos para onde nós não estamos. A mudança vai ser completa. Impressionante o que nós vamos mudar e é algo muito confuso ainda, seja o modelo de negócio e o aspecto regulatório. Tem muita coisa que está se criando ainda e tem muita coisa sendo dita que não é metaverso. Hoje se pega uma aplicação típica de RA e cita-se como sendo um caso de metaverso quando não é, embora possa se tornar. O RA/RV são conceitos que já existiam muito antes.

Fabiano – Muito bem, bom, temos assunto aqui para mais de uma hora de conversa facilmente, mas infelizmente a gente tem que interromper e finalizar o nosso podcast. Hoje nós conversamos com o Prof. Edelvicio Souza Jr. sobre “O que estará no centro do debate sobre tecnologia no Brasil em 2022”. Falamos de 5G, IoT, edge computing e falamos de metaverso agora no final, professor, mais uma vez obrigado por compartilhar seus conhecimentos aqui conosco no greenTALKS.

Edelvicio – Eu que agradeço o convite, fico muito honrado mais uma vez e agradeço o convite. Espero que gostem e espero que tenha contribuído. Convido a todos a ouvir os outros podcasts da green4T que são extremamente atuais e interessantes. Espero que a gente possa em um próximo podcast abordar as evoluções e as respostas das dúvidas do que nós colocamos hoje, que não estão claras, e que tenhamos novas dúvidas porque esse é o desafio da tecnologia: você conviver com a dúvida e com incerteza e buscar razão naquilo tudo e transformar aquilo tudo numa realidade.

Fabiano – Muito bem, então é isso, se você gostou desse episódio, curta e compartilhe este e outros conteúdos relevantes que temos postados lá no nosso blog Insights, no YouTube, aqui no Spotify e também em nossas mídias sociais. Muito obrigado e até a próxima.