Mineração 4.0 e os desafios para ter operações mais sustentáveis

Caracterizado pelo elevado impacto ambiental de suas atividades, setor passa por uma verdadeira revolução no uso de tecnologias para aumentar produtividade e eficiência, além de tornar seus processos mais seguros e sustentáveis.

Mineração 4.0 e os desafios para ter operações mais sustentáveis

Recentemente, o Brasil lidou com dois grandes acidentes causados pelas atividades da mineração que resultaram em impactos sociais e ambientais de grandes proporções. Os rompimentos de barragens de rejeitos ocorridos em Mariana (MG), em 2015, e Brumadinho (MG), em 2019, com esse fato, intensificou a necessidade de o setor inovar em relação aos métodos e processos utilizados em toda a cadeia dessa indústria no país, onde a tecnologia se torna uma grande aliada para tornar as atividades mais eficientes, seguras e sustentáveis.

No caso das barragens – método de armazenamento de rejeitos resultantes da extração de minérios que passou a ser muito questionado após os desastres ocorridos em Minas Gerais – os rompimentos poderiam ter sido evitados com o uso de softwares de monitoramento de imagens das superfícies com alertas de eventuais movimentos irregulares da terra.

Esse é apenas um exemplo de como as tecnologias podem ser utilizadas em benefício das atividades da mineração, que nos últimos anos tem dado passos importantes rumo à modernização do setor. Do uso de veículos autônomos ao monitoramento remoto das atividades dentro de minas, são várias as inovações que têm revolucionado a área a partir da automação e gestão inteligente de processos com o uso de análise de dados, inteligência artificial, Internet of Things (IoT) e realidade virtual.

Essa transformação ocorre em um dos setores chave da economia brasileira. Essa indústria corresponde a cerca de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro tendo obtido um faturamento de R$ 339,1 bilhões em 2021, segundo dados do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM). Além disso, o setor teve um saldo comercial de quase US$ 49 bilhões, no ano passado, o que correspondeu a 80% do saldo total do país que foi de US$ 61 bilhões. E a projeção para o período entre 2020 e 2024 é de investimentos na ordem de US$ 38 bilhões nessa indústria no país, montante que irá reforçar a transformação digital na área.

US$ 38 bilhões é o investimento previsto na indústria de mineração no Brasil entre os anos de 2020 e 2024

Mas todo esse incremento tecnológico criará desafios em relação ao processamento, armazenamento e análise de uma quantidade crescente de dados, pois este é um setor que atua basicamente em áreas críticas, que usa veículos pesados e movimenta grandes volumes de cargas por longas distâncias. Além disso, a mineração tem sido impactada por diversos fatores voltados à sustentabilidade, fato que tem estimulado as companhias a adaptarem suas operações às diversas transformações que vão ocorrer ao longo desta década.

Tendências para o setor de mineração

O avanço das tecnologias nessa área foi abordado no relatório “Mine 2021: Great Expectations, Seizing Tomorrow”, publicado no ano passado pela PwC com informações envolvendo as 40 maiores mineradoras do mundo. No material, a consultoria aponta que as empresas precisarão ter planejamento, governança e estruturas de segurança cibernéticas bem definidas para garantir a transformação digital em suas operações. Isso se deve pelo acelerado avanço no uso de dados e incrementos na integração de novas tecnologias nas atividades, o que demandará uma estratégia bem definida para os negócios em transformação.

Dentro desse cenário, o documento cita dados do Fórum Econômico Mundial que aponta que 67% das tarefas repetitivas e manuais, e 60% das tarefas que envolvem mão de obra serão automatizadas até 2025. Nessa tendência, a BHP, maior mineradora do mundo, anunciou no ano passado um programa de US$ 800 milhões para incrementar suas operações com 500 caminhões autônomos em suas atividades de minério de ferro e carvão na Austrália, além de planejar o uso desse tipo de veículo sem motorista em minas de cobre no Chile.

Inovação no mercado brasileiro

Maior mineradora do país com um valor de mercado de mais de US$ 96 bilhões, a Vale tem se destacado na extração de minério de ferro com o uso de tecnologias visando uma maior eficiência operacional em seus negócios. Em 2020, por exemplo, 19% dos ativos críticos utilizavam inteligência artificial “para garantir confiabilidade”, segundo relatório da companhia, sendo que a expectativa até 2025 é que essa tecnologia esteja empregada em 100% dos ativos críticos da empresa.

Nos últimos anos, a mineradora também tem focado no uso de robótica e automação visando expandir a realização de atividades remotas. A iniciativa tem como objetivo aumentar a segurança e a confiabilidade dos trabalhos realizados em áreas de risco, aumentando assim a segurança das operações.

Abaixo estão alguns exemplos de como a tecnologia tem transformado a atuação da Vale na extração de minérios tanto no Brasil quanto em outros países:

  • Caminhões autônomos: já são utilizados em minas como a de Brucutu, em Minas Gerais, e a de Carajás, no Pará. Os veículos são controlados apenas por sistemas de computador, GPS, radares e inteligência artificial. Entre os benefícios estão: maior produtividade, extensão em cerca de 15% da vida útil dos equipamentos, menor desgaste de peças e consequente redução com custos de manutenção (estima-se em 10%), maior segurança para os funcionários em atuações em áreas de risco, e redução de cerca de 10% no consumo de combustível, o que resulta em diminuição nas emissões de CO2;
  • Drones em Pátio Ferroviário: a inovação implementada no Pátio de Tubarão, no Espírito Santo, tem como objetivo gerar maior segurança e eficiência na verificação de cargas em vagões. No local, o pátio composto por 32 linhas férreas com extensão de cerca de 1 km cada, a verificação da carga realizada normalmente por quatro funcionários durava em média 4 horas. Com o uso dos drones, a mesma atividade é realizada por apenas um operador, e todo o processo é feito em menos de cinco minutos;
  • Escavadeiras autônomas: na mina de Totten, no Canadá, a mineradora implementou controles por meio de tablets para operar os equipamentos remotamente. A inovação gera maior segurança e redução de lesões entre os operadores, além de melhorar a visibilidade das atividades realizadas;
  • Robótica: a mineradora já utiliza ao menos três modelos diferentes de robôs que auxiliam os operadores em tarefas de manutenção. Os equipamentos atuam em ambientes que podem representar riscos aos trabalhadores, como cavernas, tubulações, galerias e drenos. Dois dos robôs foram criados pelo Instituto Tecnológico Vale (ITV).

A implementação dessas ferramentas pela Vale é resultado dos investimentos em inovação que a mineradora tem realizado nos últimos anos. Entre 2020 e 2021, o valor destinado pela companhia para Pesquisa & Desenvolvimento passou de US$ 443 milhões para US$ 600 milhões, e a previsão para este ano é de US$ 750 milhões. Um dos mais novos projetos da empresa é a criação de uma locomotiva 100% elétrica que está sendo desenvolvida em parceria com a americana Progress Rail, do grupo Caterpill. Esse seria o primeiro veículo do tipo na mineração brasileira, e a expectativa é que tenha capacidade para operar por até 24 horas sem a necessidade de recarga.

Foco em inovação - Vale

A Anglo American tem a inovação como base para implementar uma mineração sustentável visando o futuro de seus negócios. Até 2026, a companhia pretende investir cerca de R$ 25 milhões no fomento à inovação aberta no mercado brasileiro.

Um dos propósitos da mineradora é a abordagem Future Smart Mining, onde a empresa atua com tecnologias e digitalização dentro de quatro conceitos visando o futuro da mineração: 1) Mina Concentrada, para dar mais precisão ao lavrar minerais e metais para reduzir consumo de água e energia, e diminuir os resíduos no processo; 2) Mina Sem Água, onde pretende atingir níveis próximos de 100% de recirculação no uso de água; 3) Mina Moderna, cujo foco é a segurança das pessoas, reduzindo a exposição de empregados a riscos; e 4) Mina Inteligente, com uso de grande quantidade de dados para tornar as operações mais seguras, integradas e sistematizadas.

Inteligência local

Os investimentos em inovação por parte das mineradoras ocorrem em um período de fortes perspectivas de crescimento para o setor devido à grande demanda por minerais que são necessários em áreas de grande expansão, como energia renovável, veículos elétricos e sistemas de armazenamento de energia. Dessa forma, as tecnologias têm um papel fundamental na mineração para melhorar sua eficiência operacional, segurança e sustentabilidade.

Essa transformação digital que ocorre a passos largos no setor tem demandado ferramentas inteligentes que se adequem às características dessa indústria, como é o caso das soluções de Edge Computing. Como as operações ocorrem geralmente em locais remotos e áreas críticas, o processamento, armazenamento e análise de dados realizado localmente se encaixam às necessidades para esse tipo de serviço.

Em relação aos veículos autônomos, essa tecnologia é um diferencial para a otimização de rotas e logística que vão impactar positivamente os custos operacionais gerais. Ao transportar commodities como minério de ferro e carvão, por exemplo, atividade complexa pela necessidade de atender as especificações exigidas pelos clientes, o rastreamento dos materiais é vital para otimizar a operação sem incidir em erros ao longo da cadeia.

Leia Mais: Como o Edge Computing se tornou essencial para Indústria 4.0?

Além disso, a computação de borda auxilia no planejamento de rotas dos caminhões para evitar ociosidade. Como é uma operação que envolve vários veículos, o processamento e análise local de dados evita a ocorrência de filas no descarregamento dos materiais, otimização essa que gera economias significativas para a companhia.

Essa inteligência proporcionada pela tecnologia às áreas críticas de atuação das mineradoras também tem um papel fundamental em tornar as operações mais sustentáveis. Ao tornar as atividades mais coordenadas, se reduz bruscamente o consumo de energia local, que é baseada em geradores a diesel sendo um dos grandes vilões da área por conta das emissões associadas a esse combustível.

Operações sustentáveis

A sustentabilidade nas atividades de mineração foi abordada no relatório “Tracking the trends 2022 – The top 10 issues shaping the future of mining”, que foi publicado pela Deloitte no início deste ano e que analisa as dez principais tendências para a mineração em um período de até 18 meses. De acordo com o documento, os próximos anos serão os mais transformadores para essa indústria devido à atuação das companhias visando baixo carbono, redução dos desperdícios e atuação baseada em propósitos.

Para pontuar essa revolução no setor, os especialistas da Deloitte apontam quatro principais fatores que têm impactado a atuação das empresas e definindo os rumos da área: a transição para a energia verde, a pandemia da Covid-19 e seus reflexos no mercado de trabalho, a digitalização, e a necessidade de integrar os negócios aos compromissos ambientais, sociais e de governança (ESG).

Dessa forma, as tendências incluídas no relatório são:

  1. Investimentos em ESG: com as empresas alocando verba e direcionamento seu portfólio para as práticas sustentáveis do negócio;
  2. Mudanças na cadeia de valor tradicional: a transição energética tem criado desafios e oportunidades para as companhias, que hoje visam uma atuação de baixo carbono;
  3. Atuação em um novo ambiente: com a pandemia e a alta no preço das commodities, muitos países têm buscado recuperar a receita perdida com novas regulamentações e tributações, obrigando as empresas a se adaptarem a este novo cenário;
  4. Incorporação do ESG nas organizações: onde as empresas estão criando modelos operacionais para responder e abordar oportunidades, desafios e riscos ambientais, sociais e de governança;
  5. Mercado de trabalho mais competitivo: tendência que obriga as companhias do setor a se posicionarem como um empregador atraente e capaz de atender às prioridades em evolução;
  6. Relações com as comunidades indígenas: em novos projetos, as mineradoras deverão procurar oportunidades que se alinhem com os objetivos e prioridades das comunidades locais;
  7. Organizações voltadas à inovação: com as companhias sendo obrigadas a se adaptarem a mudanças recentes que têm impactado os negócios, como: novas práticas de trabalho remoto, impulso à descarbonização e altos preços das commodities;
  8. Operações integradas: com o uso de dados, as empresas têm capacitado todos os níveis da operação para tomar decisões de maneira mais ágeis;
  9. Maior atenção à cibersegurança: com a expansão do IoT com um número cada vez maior de dispositivos conectados em locais como minas, as atenções em relação aos riscos cibernéticos deixam de se concentrar em áreas como finanças e recursos humanos e passam para outras áreas da operação;
  10. Adaptação às mudanças climáticas: as mineradoras deverão se preparar para os impactos que as alterações do clima podem produzir em seus negócios e operações.

Como apontado pela Deloitte, a Mineração 4.0 tem como desafio não apenas a implementação de tecnologias para absorver as demandas do mercado tornando as atividades mais eficientes como também ser capaz de gerar benefícios às comunidades ao seu entorno e o meio ambiente. Isso porque as operações dessa indústria estão diretamente ligadas à qualidade de vida das populações próximas às áreas de atuação.

Apenas o acidente com a barragem de Mariana (MG), em 2015, por exemplo, teve um impacto socioeconômico em 35 cidades mineiras, e os rejeitos de minérios escoaram pelos rios da região passando por várias cidades do Espírito Santo até chegar ao mar. Em resposta aos acidentes, a Vale criou um Centro de Monitoramento Geotécnico para acompanhar em tempo real a situação de 111 barragens e estruturas de risco em todo o país.

Para a operação deste Centro, a companhia implementou sensores integrados a softwares de vídeo analytics onde algoritmos analisam dados, projetam eventuais problemas e disparam alertas preventivos para equipes técnicas e especializadas no acompanhamento dessas estruturas de alto risco. Essa iniciativa da mineradora brasileira mostra que, além de gerar mais segurança às atividades no setor, a tecnologia também é uma grande aliada para projetos voltados à sustentabilidade social e ambiental.

Nesta que será a década mais desafiadora para a indústria de mineração por conta das transformações do setor, o uso de tecnologias para adaptar as atividades às demandas do mercado será essencial para as companhias. Da implementação de veículos autônomos à gestão inteligente e integrada de toda a cadeia, passando pelo processamento e análise de dados localmente, as inovações passam a ser base para as mineradoras estarem em linha com as novas práticas do mercado com operações mais eficientes e sustentáveis.