Como a tecnologia pode ajudar empresas e cidades na busca pela estabilidade climática do planeta?

A 26ª Conferência das Partes da ONU deu sentido de urgência para que nações, empresas e organizações atuem de forma mais contundente na busca pelos objetivos do Acordo de Paris, visando limitar o aquecimento global em 1,5ºC. Um processo que demanda agilidade, escalabilidade, alta performance e caráter disruptivo para alcançar o êxito desejado. Entenda como a tecnologia – e o setor de TI – exercerão um papel central nesta transformação.

Como a tecnologia pode ajudar empresas e cidades na busca pela estabilidade climática do planeta?

O encerramento da COP26 em Glasgow, Escócia, no último dia 12/11 mostrou ao mundo que é hora de agir rápido e de forma contundente na redução das emissões de gases do efeito estufa a fim de se cumprir a meta estabelecida no Acordo de Paris (2015) e manter o aquecimento da temperatura do planeta em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais até 2100.

Como legado, o encontro definiu que as cerca de 200 nações representadas deverão apresentar até 2022 propostas concretas para diminuir as suas emissões de carbono. As chamadas Contribuições Nacionais Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) precisarão conter mais do que boas intenções: será preciso demonstrar ações eficazes para diminuir em 45% o volume das emissões até 2030 – e de 100% delas até a metade do século.

Para tanto, adaptação é a palavra-chave e termo que resumiu o evento no Reino Unido. Adaptar os meios de produção, os setores econômicos, a mobilidade, as cidades e o modo de vida das pessoas para se tornarem mais sustentáveis e de baixo impacto ambiental.

Em linhas gerais, o agronegócio deve produzir mais alimentos sem prejuízo da natureza. A indústria deve se tornar mais eficiente e limpa, escolhendo fontes de energia renováveis para tal. Os meios de transporte devem ser descarbonizados e uma transição para a mobilidade elétrica é urgente. As cidades devem se tornar mais inclusivas e humanizadas. E as pessoas devem consumir mais conscientemente e adotar a economia circular como estilo de vida.

Neste contexto de imensas e profundas transformações que precisam ser aceleradas, a indústria da tecnologia e o setor de TI também têm o seu papel. Caberá aos criadores de soluções tecnológicas e aos fornecedores de infraestruturas de processamento de dados a missão de contribuir para as tomadas de decisão de agentes públicos e privados, além de liderar a disrupção de tudo o que a humanidade tem adotado como modelo até aqui, a fim de que a almejada estabilidade climática do planeta seja alcançada.

Tecnologia para o campo

Segundo relatório da McKinsey, 20% das emissões de gases do efeito estufa são originadas na atividade agropecuária. A produção de gás metano, um dos poluentes mais nocivos à atmosfera, por parte dos rebanhos bovinos é um dos problemas – e já existem equipamentos para amenizá-lo como a máscara Zelp, desenvolvida por uma startup britânica que converte o metano exalado pela respiração dos animais em vapor de água.

Mas há também a questão da ocupação do solo para a criação de gado. Dados da pesquisa do Ipaam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) divulgados em outubro, revelam que 75% das terras públicas da Amazônia já desmatadas foram ocupadas por pastagens.

Pasto x Floresta

Mais terra para o gado não se traduz necessariamente em maior produtividade. A produção leiteira do País é um exemplo. Por aqui, cada vaca faz, em média, 1.600 kg de leite por ano. Na Holanda, país cuja extensão territorial é 200 vezes menor que a brasileira, um animal – criado em propriedades pequenas e tecnológicas – gera 8.900 kg de leite por ano. (Fonte: IFCN 2018)

O caminho é a criação e manejo mais eficientes, onde seja possível controlar melhor os rebanhos, supervisionados por drones, monitorados por sensores de IoT e gerenciados por softwares que regulem a alimentação, as condições de saúde dos animais e a localização deles na propriedade.

Para que todo este ecossistema tecnológico funcione com agilidade e eficiência é necessário o suporte de infraestruturas de TI como a computação de borda distribuída (edge computing), que realiza o processamento localmente, resolvendo a barreira da distância, ajudando no tempo de resposta, para que os dados gerados produzam a inteligência necessária à definição das melhores práticas que, a um só movimento, elevem a produtividade e reduzam o impacto no meio ambiente.

Alerta

Descarbonização

O termo que ganhou centralidade nos painéis e debates da COP26 coloca a produção industrial e a mobilidade urbana sob os holofotes do desafio climático do planeta até 2030.

Conforme divulgado pela McKinsey, cerca de 40% das emissões globais de carbono são originadas nas atividades industriais. Deste volume, 65% advém da queima de combustíveis fósseis, sobretudo para processos de aquecimento de nível médio em setores como de construção, alimentos, têxtil e manufatura. A eletrificação destas fases produtivas pode abater fortemente a geração de gases do efeito estufa.

O financiamento para a transição total da economia para o carbono zero está estimado em US$ 150 trilhões – 2/3 disso para países em desenvolvimento, conforme aponta a McKinsey. Criado em abril, o GFANZ (Glasgow Financial Alliance Net Zero) chegou à COP26 com um portfólio de mais de 240 instituições financeiras que, juntas, representam investimentos na casa dos US$ 130 trilhões.

Mesmo em uma economia eletrificada será preciso ser mais eficiente. Isso implica em adotar sistemas digitais de monitoramento dos equipamentos e cadeias produtivas a fim de garantir que o consumo de energia seja rigidamente adequado apenas à necessidade operacional, sem espaço para o desperdício.

Dar mais eficiência às etapas de produção também é essencial. A automação e otimização dos processos a partir do uso de ferramentas tecnológicas como arquiteturas de IoT, que monitoram as máquinas e promovem mais agilidade e qualidade a trabalhos mecânicos, podem resultar em elevação da performance das fábricas e redução importante no consumo de recursos naturais como a água.

Leia também: A transformação digital da indústria de óleo e gás

Nova mobilidade urbana

Nas cidades – que deverão concentrar cerca de 70% da população mundial até 2050, segundo a ONU, e contribuem com mais de 2/3 das emissões de carbono – a adaptação às metas climáticas reafirmadas na COP26 passa muito pela descarbonização dos sistemas de transporte, responsáveis por 15% das emissões anuais de CO₂.

O discurso uníssono é a eletrificação dos modais ainda movidos à combustível fóssil, como é o caso das frotas de ônibus e dos caminhões para carga que circulam no perímetro urbano. Contudo, não basta apenas trocar a bomba de óleo diesel por tomadas de energia elétrica ou baterias ao invés de tanques dentro dos veículos. É preciso saber onde esta mudança na força motriz terá maior aderência sem prejuízo à qualidade do serviço.

Novamente, a tecnologia se faz fundamental neste processo. No caso dos ônibus, a partir de dados gerados por sensores de IoT, GPS, imagens de câmeras nas vias públicas e contagem de passageiros é possível realizar uma gestão eficiente do serviço de transporte público – como faz o painel Trancity, desenvolvido pela Scipopulis – e ainda entregar informações e insights primordiais para que o administrador do sistema possa determinar quais linhas e rotas se adequarão melhor à mobilidade elétrica mediante variáveis como topologia e intensidade do tráfego.

Ouça também: Como a análise de dados pode ajudar a descarbonizar o transporte – Episódio 27

Gerenciamento de catástrofes naturais

É também nos centros urbanos que reside outra missão relevante da tecnologia e do setor de TI: prover maior resiliência às cidades. Com adensamento populacional elevado e localizadas em áreas de risco como morros, costeiras e ilhas, são elas as áreas mais vulneráveis diante dos impactos causados pelas mudanças climáticas do planeta.

O uso da ciência de dados, neste caso, se revela fundamental na criação de uma consciência situacional que capacite o gestor público na qualidade decisória e no tempo de resposta diante de catástrofes naturais como tempestades e inundações, evitando prejuízos maiores à infraestrutura urbana e à população.

É o caso do COR – Centro de Operacões Rio, que há uma década tem trabalhado na integração de diversas fontes de informação da capital fluminense permitindo a elaboração de planos e políticas públicas de mitigação de eventos como estes.

“Temos notado uma mudança climática muito grande na cidade nestes dez anos do COR. São verões com muito calor e muita chuva que acabam provocando alagamentos e se tornando um problema para a mobilidade urbana”, declarou Alexandre Cardeman, Chefe Executivo do COR, em entrevista ao podcast greenTALKS, no Spotify.

A integração de dados e informações potencializa a cadeia de transformação que tem nas iniciativas como o COR o seu braço operacional mais visível. Contudo, estas estruturas que precisam ser incorporadas às dinâmicas e ao planejamento de ocupação das cidades, demandam investimentos muitas vezes distantes da realidade de nações menos desenvolvidas.

Para tanto, foi determinado pela cúpula da COP26 que o apoio financeiro por parte dos países mais ricos – um fundo estimado em US$ 100 bilhões por ano – seja mais contundente e endereçado para suportar a resiliência e sustentabilidade junto às economias mais frágeis do planeta.

Caixa Verde

O TI no contexto da COP26

O cumprimento dos compromissos firmados em prol do controle da temperatura da Terra é de responsabilidade universal. Todos os setores econômicos e produtivos podem dar a sua contribuição.

Em comum, aqueles que têm no processamento de dados um fator de desenvolvimento do negócio, precisam trabalhar para mitigar o consumo energético dos data centers. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), as infraestruturas de TI consomem cerca de 4% de toda a eletricidade produzida no mundo.

No artigo “On Global Electricity Usage of Communication Technology: Trends to 2030“, os autores Anders Andrae e Tomas Edler alertam para uma possível escalada do setor a 20% até 2030. Em países como a Irlanda – conhecido hub mundial de data centers –, este índice pode chegar próximo a 30% ainda nesta década.

A causa principal do consumo está ligada à refrigeração dos ambientes críticos, que demanda muita eletricidade para manter os sistemas de condicionamento e resfriamento do ar em operação 24/7/365. Algumas empresas que processam dados em hiperescala têm buscado construir os seus data centers em locais onde a própria natureza ajude-as a resfriar os servidores, com estruturas submarinas em mares mais gelados ou dentro de cavernas.

Entretanto, há estratégias mais acessíveis nesta busca por uma jornada de eficiência energética para os data centers, algo que pode ser alcançado a partir da adoção de um Plano de Ações Multidisciplinares (MAP, da sigla em inglês), capaz de reduzir em até 60% do consumo de energia das infraestruturas de TI.

Saiba qual o serviço pode reduzir em até 60% o gasto energético do data center

Hora de agir

Para alcançar a neutralidade de carbono, não apenas os governos, mas as empresas precisam agir com mais celeridade, investindo em planos de mitigação do impacto das emissões e em algumas ações reconhecidamente positivas para toda a cadeia de valor, como os investimentos em eficiência energética. Plataformas inteligentes para análise de dados também são importantes e já estão disponíveis, garantindo mais assertividade às estratégias e evitando o desperdício de recursos financeiros e naturais.

O fato é que o futuro das companhias está intimamente atrelado à estabilidade dos mercados. E para que este cenário seja obtido, é preciso que a agenda ESG e táticas de redução das emissões de carbono sejam definitivamente vistas como modelo de gestão.

Um estímulo pode ser o próprio aspecto financeiro. Na COP26, o chanceler do Tesouro britânico, Rishi Sunak, declarou que pediu ao governo do Reino Unido uma lista das empresas que já tenham apresentado planos de redução de emissões até 2023. Com isso, ele deixou evidente que os cofres públicos com recursos disponíveis para o financiamento de empresas privadas passará a ter uma nova senha de acesso: a da responsabilidade climática. E será uma questão de tempo para que outros governos passem a exigir o mesmo.

Nesta corrida para zerar as emissões líquidas de carbono (Race to Zero, em inglês) até a metade do século, é importante a participação de todos. Empresas precisam oferecer serviços e produtos de baixo impacto ambiental. Clientes precisam ser estimulados a preferirem estas marcas. As cadeias de fornecedores precisam estar alinhadas à mesma estratégia. Bancos precisam financiar companhias e startups determinadas a criar soluções “net zero”. E governos podem contribuir na criação das condições e políticas regulatórias que promovam essa mudança.

E no transcorrer de toda essa jornada, a tecnologia e o setor de TI surgem para contribuir na criação de modelos disruptivos; para dar mais agilidade aos processos; na escalabilidade às soluções; na disponibilidade das infraestruturas de TI; e na inteligência de dados para a tomada de decisão. Com tudo isso junto e de forma coordenada será possível transformar a sociedade e alcançar a estabilidade climática do planeta. Mas a hora de começar é agora.