Ambientalismo e tecnologia: parceria em prol do planeta – Episódio 30

Análise de dados para elevar a resiliência de cidades e infraestruturas, elaboração de modelos matemáticos para a prevenção e remediação de eventos naturais extremos, otimização de processos e do monitoramento de metas são alguns dos pontos de apoio da tecnologia em benefício das causas ambientais.

Ambientalismo e tecnologia: parceria em prol do planeta – Episódio 30

Diante da meta de controlar o aumento da temperatura da Terra em até 1,5oC até o fim do século, empresas e nações precisam atuar de forma sinergética a fim de conquistar este objetivo em comum. Práticas empresariais devem assumir essa temática do clima de forma clara, com monitoramento intensivo das metas a serem alcançadas para diminuir o impacto ambiental de suas atividades. Por parte dos países, é necessário agir agora, elevando as ambições das NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) em favor da redução de 50% das emissões líquidas de gases do efeito estufa até 2030 e de 100% delas até a metade do século.

Em ambos os cenários, a tecnologia atua como uma ferramenta valiosa e indispensável para uma experiência bem-sucedida. “O papel de empresas do setor e de inteligência computacional é cada vez mais interessante para a administração dos tantos recursos que compõem a agenda de clima”, avalia Marina Esteves, Analista de Projetos em Práticas Empresariais e Políticas Públicas no Instituto Ethos.

Segundo ela, a ciência de dados é fundamental para aumentar a capacidade de previsibilidade das nações ante às intempéries climáticas e na criação de estratégias de redução de emissões. Acompanhe na entrevista a seguir, concedida ao jornalista Fabiano Mazzei.

Fabiano Mazzei – Olá, seja muito bem-vindo, seja muito bem-vinda a mais um episódio do podcast greenTALKS. Eu sou Fabiano Mazzei, jornalista da green4T, e lembro que você pode encontrar este conteúdo aqui no Spotify, no YouTube, em nosso blog Insights e também em todas as nossas mídias sociais.

A entrevista deste episódio é mais do que atual, é necessária: envolve falar da importância das boas práticas empresariais para alcançarmos os objetivos de desaceleração do aquecimento global e as mitigação dos impactos das mudanças climáticas definidos na COP26.

Quem conversa com a gente sobre isso é Marina Esteves, Analista de Projetos em Práticas Empresariais e Políticas Públicas no Instituto Ethos, responsável pela agenda de meio ambiente, responsabilidade empresarial e enfretamento à crise climática na instituição.

Ela atua também no apoio e coordenação de projetos multissetoriais como o Fórum Amazônia Sustentável, a Conferência Brasileira de Mudança do Clima e o Grupo de Trabalho de Meio Ambiente para empresas associadas ao Instituto Ethos.

Marina, muito obrigado pela sua presença e seja bem-vinda ao podcast greenTALKS.

Marina Esteves – Eu que agradeço, Fabiano, é um prazer estar aqui com vocês da green4T em mais um espaço. Fico muito contente com o convite. Entendo que hoje é a nossa primeira conversa sobre sustentabilidade, então, é um prazer imenso estar aqui com vocês hoje.

Fabiano – O prazer é todo nosso. Então, eu gostaria de começar pedindo para você contar um pouco sobre como é a sua atuação no Instituto Ethos?

Marina – Claro, muito prazer a todes. Sou analista de projetos e práticas empresariais e políticas públicas pelo Instituto Ethos. Sou formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas e, hoje em dia, trabalho na agenda de enfrentamento da crise climática. Como é que funciona essa atividade no Instituto Ethos? A gente é dividido em quatro áreas de atuação, dentre elas meio ambiente e clima que focam bastante na atuação empresarial e nas articulações com os governos. A atuação empresarial pode refletir em políticas públicas e como a gente consegue caminhar com esses dois grandes atores na busca pela mitigação dos efeitos da crise climática e por um mundo mais sustentável no futuro. Então, basicamente, essa área é focada na responsabilidade social e práticas sustentáveis do empresariado brasileiro, buscando esse alinhamento entre os objetivos de diversos pactos, cito aqui um que é o desenvolvimento sustentável que é o nosso grande norteador na agenda.

O Instituto Ethos também atua fortemente na área de Direitos Humanos, de integridade e transparência, e na área de gestão para o Desenvolvimento Sustentável. Estas são as quatro grandes áreas de atuação do Instituto Ethos linkadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Então, para isso, desenvolvemos projetos empresariais que estejam alinhados com esses objetivos e que busquem uma mudança estrutural nas empresas, nos governos e na sociedade como um todo, incentivando práticas responsáveis e sustentáveis. Hoje em dia, a gente entende também que a agenda de sustentabilidade não comporta só questões referentes ao clima e meio ambiente. Ela se expande para questões de Direitos Humanos, acesso, transparência e integridade. Juntos, conseguimos somar todas essas ações para procurar uma sociedade mais justa e equilibrada.

Apesar das nossas atuações serem setorizadas nesses temas, os coordenadores das áreas buscam pontos de intersecção, os pontos comuns, porque, enfim, hoje em dia eu pelo menos não consigo imaginar muito mais a agenda de clima que não seja vinculada a questões sociais e de acesso e transparência. Então, esses assuntos são muito complementares e devem ser tratados de maneira uniforme e transversal. As práticas empresariais e políticas públicas que eu coordeno são voltadas para a ação climática e todas as temáticas atreladas a isso, algo que eu vou desenvolver aqui ao longo da nossa conversa.

Acho que o principal ponto de especificidade do trabalho do Instituto Ethos é justamente essa tradução e mediação entre diferentes interesses que aparecem na sociedade: como traduzir os interesses empresariais, governamentais, da sociedade civil, das pessoas físicas e da academia, para que a gente entre em convergência e consiga alcançar esses objetivos que são a descarbonização e a manutenção da temperatura terrestre em até 1,5oC de aumento médio de temperatura terrestre. Então, esse trabalho de tradução e mediação entre seus diferentes mundos é muito interessante justamente porque todos nós habitamos o mesmo planeta, vamos sofrer das mesmas consequências e nossa atuação precisa ser uniforme e articulada de maneira uníssona. Dentro desse trabalho de mediação o que é mais relevante é esse tipo de mapeamento de pontos comuns entre esses diversos grupos setoriais como você comentou. É curioso porque cada grupo multissetorial é composto por diferentes atores, então, no caso do grupo de trabalho de meio ambiente, há a questão de multissetorialidade desse grupo é que são empresas de diferentes setores que compõe o nosso rol de associados do Instituto Ethos e a gente procura quais são esses pontos comuns entre tantos diferentes setores empresariais, com pontos de maturidade diferentes da agenda de clima e diversas outras especificidades de cada tipo de operação empresarial.

Então é um pouco isso, o nosso trabalho de convergência entre empresas e diferentes pontos de vista, buscando pontos comuns que seriam justamente isso que eu comentei rapidamente. Este é um breve levantamento sobre a atuação do Instituto Ethos.

Fabiano – Um dos grupos que você coordena, que trata do meio ambiente, produziu um documento importante em 2021, sobre a atuação empresarial para o aumento das ambições das NDCs brasileiras. Poderia nos contar mais sobre este trabalho em especial, que foi apresentado na COP26, e qual a importância da atuação empresarial neste processo?

Marina – Claro, Fabiano, só uma contextualização antes, vale explicar o que seriam as NDCs que a gente tanto comenta. São as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, da sigla em inglês) que são justamente os compromissos de cada parte. Então cada país que compõe o rol de países da ONU, dentro do escopo do Acordo de Paris, um dos mecanismos de monitoramento e de acompanhamento das metas de clima de cada país é justamente a submissão constante das NDCs por parte de cada país. Então, a NDC vai olhar para a realidade do país específico que está sendo produzido, mapear e estudar quais são os grandes gargalos de emissões de gases de efeito estufa e como eles podem ser adaptados, mitigados e reduzidos até que se alcance os objetivos de emissões líquidas zero até 2030 e emissões brutas zero de gases de efeito estufa até 2050. As NDCs têm esse papel de traduzir as realidades locais de maneira que cada país faça o que é necessário para a própria realidade para se adaptar às mudanças do clima. Tendo isso um pouco em vista, o grupo de trabalho de meio ambiente do Instituto Ethos para as empresas associadas teve isso muito em mente na produção de conteúdo do último ano de 2021. A gente realiza esse grupo de trabalho de maneira colaborativa e coletiva. São empresas de diferentes setores da sociedade brasileira, então, também é um espaço de articulação multissetorial e que apresentam diferentes níveis de maturidade na agenda de enfrentamento. Nosso objetivo com esse documento que foi elaborado ano passado era balizar esses diferentes níveis de maturidade em um documento que expressasse compromissos mínimos e a possibilidade de aumento de ambição para cada um deles. O contexto de onde aparece essa discussão que a gente trouxe para nossa elaboração de conteúdo no último ano é, se a gente tiver uma cronologia em mente ­– que o Acordo de Paris foi assinado em 2015, as primeiras NDCs das partes foram submetidas pela primeira vez em 2016 (incluindo o Brasil), espera-se que a cada cinco anos, essas NDCs sejam submetidas novamente pelas partes e que isso demonstre um aumento de ambição. Então, se uma vez o país submeter o compromisso X, na segunda vez será preciso apresentar compromissos X + Y.

Isso porque no momento em que se assina o Acordo de Paris, essas metas são voluntárias. Em seguida, isso tramita internamente nos sistemas de decisão política de cada país – no caso de Brasil, passou pelo Congresso e  Senado. Em 2017, quando o Acordo de Paris foi homologado, as metas se tornam obrigatórias e, aqui, elas foram traduzidas na forma de uma política nacional dentro da PNMC (Política Nacional sobre Mudanças Climáticas). Hoje em dia, essas metas assumidas pelo Brasil são obrigatórias como também é a necessidade de submissão das NDCs constantemente, tornando-as mais ambiciosas.

Neste contexto, fizemos encontros mensais e oficinas de elaboração onde cada empresa mostrava até onde estava disposta a chegar com os compromissos, quais são os alinhamentos desses compromissos com a própria estratégia empresarial e, claro, sempre pressionando um pouco para que eles não só assumissem apenas as metas e compromissos já bem estabelecidos, mas ter esse parâmetro de aumento de ambição climática. Então, a carta ela faz esse balizamento de compromissos mínimos, porém ambiciosos, que aumente essa ambição. Voltando sobre a carta, acho que um dos pontos mais interessantes também que a gente observou na construção documento foi justamente o cascateamento dos compromissos para outros níveis de governança. Os compromissos de descarbonização já não aparecem só no Governo Federal como responsabilidade da nação: diversos atores que compõem a sociedade têm se apropriado da temática e têm trazido para suas operações esses objetivos mais ambiciosos. Isso é muito interessante porque essa descentralização das tomadas de decisão referentes a clima é essencial para que a gente consiga alcançar esses níveis ambiciosos de descarbonização. Se cada ator que compõe a sociedade se apropriar dessa temática e dentro das suas operações e da sua estratégia e internalizar esse tipo de objetivo, é essencial para que a gente consiga caminhar para cenários interessantes em 2030 e 2050, que cumpram com esse nosso objetivo de manutenção de 1,5oC.

Os compromissos da carta são voluntários claramente e adaptáveis a cada realidade empresarial. A carta apresenta pontos de compatibilidade, outros comuns de partida e detalha compromissos mais ambiciosos para que cada ator possa tomar suas decisões em relação ao tipo de operação que exerce. A carta também traz bastante intersecção da agenda de clima com outros assuntos, como questões de governança e de Direitos Humanos, por exemplo, de sócio-biodiversidade, que eu vou aprofundar também ao longo da minha fala, e as questões de integridade, acesso e transparência que são muito essenciais para que a gente consiga o estabelecimento de uma política interessante de enfrentamento à crise climática.

O documento exibe essas premissas os diferentes grupos de empresas que participam e, em seguida, oferece esses pontos detalhados. Finaliza com um manifesto em defesa dos ecossistemas e biomas brasileiros, muito interessante porque traz esse tipo de compromisso empresarial e recomendações à administração pública. Nossa carta tem esse nome – Propostas e Recomendações Empresariais pelo NDC Brasileiro – justamente para saber sobre até onde a atuação empresarial caminha e até onde ela propõe alterações por parte dos diferentes níveis de administração pública.

Os principais compromissos da carta em direção a redução das emissões de gases de efeito estufa, em relação à cadeia de valor e ao acompanhamento dos fornecedores. Questões também sobre a sociobiodiversidade, entender que existem não só a diversidade de seres vivos, mas também a sociobiodiversidade, que seria essa variedade de outras maneiras de se habitar o mundo que não só a maneira capitalista e extrativista, mas outras relações possíveis com a natureza.

A carta também apresenta pontos de políticas públicas, de fiscalização e transparência, de comunicação e educação, e traz alguns compromissos em relação à agenda de resíduos sólidos. Hoje, o documento é assinado pela Aché, Ambience – Gestão Ambiental, pela green4T, pela consultoria ICTS Protiviti, pela JLL, pela Nature & Co., pela OEC, pela Servmar Ambiental, pelo Speak Brazil e pela Sinergia – Consultoria Sócioambiental. Gostaria de convidar a todes vocês que nos escutam também acessar o documento no site do Instituto Ethos. Eu fico à disposição em caso de trocas, podem me contatar se tiverem dúvidas ou tiver interesse, todos são super bem-vindes.

Fabiano – Todo esse documento foi apresentado em um side event lá na COP26. Conte como foi um pouco isso e quais as impressões você ficou do evento?

Marina – Perfeito. Sim, a gente aplicou para os side events da COP – para quem não sabe, o side event é um espaço oficial que a ONU, no caso, a UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change), que é o órgão responsável pela agenda de clima dentro da administração das Nações Unidas, abre para a sociedade civil organizada associada à ONU (como o Instituto Ethos)  pleitear esses espaços de realização de eventos oficiais dentro da programação da COP. O Instituto Ethos tem esse grande histórico de participação na COP, já realizamos uma série de eventos em outras Conferências e, nessa última edição em Glasgow, também fomos felicitados com a aprovação do nosso side event – que foi uma proposta realizada por alguns parceiros da sociedade civil, entre eles nós, o Instituto Clima e Sociedade, a Rede Brasil do Pacto Global da ONU, o Instituto Talanoa e o Instituto Centro e Vida. Com esses colegas, pleiteamos a aplicação que era justamente para explorar caminhos para a descarbonização brasileira e como a NDC pode ser cada vez mais ambiciosa. Por parte do Instituto Ethos, aproveitamos esse espaço e lançamos o nosso documento produzido em parceria com nossas empresas associadas ao grupo de trabalho de meio ambiente com lançamento formal na COP26, onde apresentamos junto aos nossos colegas que compuseram o painel essa atividade. Então, entendo que o setor empresarial apresenta esse papel essencial em propor ações arrojadas e constantemente mais ambiciosas. A atualização empresarial na agenda de clima é essencial para a manutenção da competitividade internacional. Hoje em dia, observamos que investidores estão cada vez mais atentos e mais decididos em investir seus capitais em empresas que tenham e façam manutenção de indicadores que se convencionou chamar de ESG ou ASG – indicadores de responsabilidade social, ambiental e de governança corporativa. Empresas sem esse tipo de visão da agenda de sustentabilidade como um todo vão acabar ficando fora dessa onda de tendência.

Entendo que o papel empresarial também é muito interessante nesse sentido de propor e de acelerar as mudanças sociais. Tanto que em Glasgow, a própria UNFCCC a organização da ONU responsável pela parte de climate change, anunciou que, a partir desse ano, irá criar um comitê de avaliação de compromissos empresariais. Então, a avaliação da ONU não vai mais se restringir apenas a atividades de países, mas vai começar a ampliar essa visão para os compromissos empresariais, de maneira que essas metas e objetivos empresariais elas têm que ser reais factíveis não podem também ser em compromissos muito arrojados e sem o estabelecimento de um plano de ação adequado. A própria ONU vai começar a fazer essa avaliação de planos de metas e estratégias empresariais atrelado à capacidade de realização disso. Cada vez mais a gente percebe que o setor empresarial vai estar mais atuante nos acordos internacionais e isso é um exemplo do efeito cascata dos objetivos e compromissos de diferentes atores e esferas dos diferentes tomadores de decisão, menos centralizado em poucos decisores como líderes governamentais. A agenda do clima está migrando para outros tomadores de decisão, o que é muito interessante porque, de maneira descentralizada, consegue-se alcançar diferentes nichos e não fica completamente dependente de decisões federais. Isso também acaba por não variar com mudanças de governo e se torna mais estabelecido de uma maneira mais interessante. Entendo que o avanço empresarial nesse sentido é propositivo, inovador, traz mais agilidade na capacidade de adaptação, oferece opções às administrações públicas e responde um pouco ao paradoxo que costumo citar entre as condições governamentais e empresariais: será que os governos precisam criar condições favoráveis para o desenvolvimento do empreendimento ou a atuação empresarial pode puxar e acelerar essas condições governamentais? De qualquer maneira, a atuação empresarial não pode se restringir a condições dadas pelos governos porque senão a própria empresa vai acabar perdendo um pouco da sua capacidade de competitividade internacional.

Fabiano – Ambientalismo e tecnologia: como vê o papel do setor de tecnologia e, em especial, da indústria de TI, neste processo de mitigação do impacto das mudanças climáticas, seja do ponto de vista diretamente ambiental, mas também social e financeiro?

Marina – Eu entendo que o papel de empresas de tecnologia e de inteligência computacional é cada vez mais interessante para a administração dos tantos recursos que compõem a agenda de clima. Então, por exemplo, a análise de dados para infraestrutura, modelos matemáticos para a prevenção e remediação de efeitos climáticos extremos, pode-se apropriar dessas questões estatísticas e de modelos matemáticos para aumentar nossa capacidade de previsibilidade. Eu percebo que existe também um outro pequeno paradoxo que mostra que os eventos climáticos caminham no sentido oposto da previsibilidade. Quando começamos a perceber extremos climáticos que não se comportam mais da maneira esperada, perdemos um pouco da nossa capacidade de previsibilidade. E eu acho que isso é um dos grandes problemas na mudança do clima: ela altera um pouco a nossa lógica em relação à previsibilidade estatística. Talvez tenhamos que inventar outros métodos de mensuração de previsibilidade pensando em cenários extremos e que não necessariamente tenham uma repetitividade tão constante a ponto de conseguirmos mapear.

Por isso, esta questão do uso da tecnologia computacional em relação à previsibilidade é muito interessante. Isso pode acabar resultando na redução de desastres naturais com o uso, por exemplo, das “disaster technologies”, que foi um dos pontos muito comentados na COP, sobre perdas e danos. Como financiamento de nações desenvolvidas com quais recursos financeiros podem apoiar países em situação de vulnerabilidade climática que sofrem com perdas e danos consequentes da mudança do clima, principalmente nas zonas mais equatoriais. Hoje em dia, esse tipo de vulnerabilidade climática impacta pesadamente o PIB desses países pequenos e de baixa renda, que começam também a perceber essas intersecções entre mudança do clima e desequilíbrios sociais. Esse tipo de previsibilidade matemática e de monitoramento via satélite, o uso dessas ferramentas tecnológicas, pode acabar convergindo nessa redução de perdas e danos, com uma melhor administração dos recursos desses países em situação de vulnerabilidade.

Observo também que a tecnologia pode ajudar bastante na otimização de processos, trazendo eficácia aos sistemas. Cito como exemplo questões ligadas a área de logística e mobilidade urbana, dois temas importantes para a green4T, que são diretamente vinculadas ao estabelecimento de políticas públicas. Modelos matemáticos que ajudar a facilitar a logística urbana e de mobilidade – mais um exemplo de como o setor empresarial tem a agregar para a gestão pública, oferecendo soluções inteligentes e ágeis, mais rapidamente, por exemplo, do que a capacidade de adaptação de um Estado ou de braço mesmo, basicamente. Às vezes, a administração pública não tem esse tipo de percepção por ter de lidar com assuntos diversos e a atuação empresarial tem super a colaborar com isso, oferecendo condições muito mais interessantes para esse tipo de análise.

Acho que a tecnologia também traz questões sobre fiscalização e transparência. Principalmente aqui, na área de clima, onde fazemos bastante análise de dados de desmatamento por imagens de satélite. Então, se por um lado que a gente perde, por exemplo, esse tipo de análise por parte do Ministério de Ciência e Tecnologia, mantemos esse monitoramento por parte de iniciativas não privadas, no caso porque é uma organização não-governamental, mas de outras iniciativas que têm a capacidade da realização dessas modelagens matemáticas.

Entendo que o trabalho da green4T também está completamente alinhado nos exemplos que foram citados: pensar no modelo de eficiência de uso de energia elétrica nos próprios data centers e nos projetos que vocês desenvolvem. Então, acho que a parte de tecnologia tem muito a somar nos esforços de descarbonização e de oferecimento de novas alternativas e mecanismos mais ágeis de combate do enfrentamento à crise climática.

Fabiano – Perfeito, para terminar essa nossa conversa que está ótima, mas temos que encaminhar a discussão, eu queria ouvir uma última análise sua sobre esse momento da questão da crise climática no mundo. Em que pé nós estamos, Marina? De que forma você enxerga todos os esforços que vêm sendo feitos e os resultados obtidos até aqui? Qual é a sua análise nesse sentido?

Marina – Acho que todo mundo que trabalha na área ambiental tem um ponto de vista otimista – senão, não estaria trabalhando nessa área. Acho que uma das principais mensagens é que ainda há tempo: a gente tem uma janela de oportunidade muito interessante de agora até 2030 e ela precisa ser aproveitada. Claro porque as consequências da inércia e da não ação nesta agenda do clima são muito grandes. Ainda estamos em momentos possíveis de realização de ações, por isso, é preciso aproveitar essa janela de oportunidade para adaptação para mitigação, para aumentar a resiliência nos diversos setores e optar por caminhos mais favoráveis à condição humana da Terra. Porque se fala que mudanças climáticas vão acabar com o mundo e não é verdade: elas podem acabar com a possibilidade de existência humana. A gente precisa de alguma maneira conciliar a nossa existência com as condições que a Terra nos oferece. Esse tipo de janela de oportunidade que a gente observa de agora até 2030 é muito interessante e ela não só mostra que é possível, mas ela mostra que existe muito trabalho a ser feito. É preciso trazer profissionais para a área, focar bastante em educação, em comunicação e fazer com que as pessoas se apropriem dessas temáticas. Como observamos, já há essa tendência internacional de cascateamento das decisões, entendendo que este é um problema de todos e precisa ser endereçado como tal.

Eu acho também que os diversos atores que compõem a sociedade, sobretudo o setor empresarial, já que são os detentores dos meios de produção e de renda, podem oferecer e cobrar soluções sustentáveis que tenham planejamentos a longo prazo e que incorporem padrões éticos de governança, gestão e estratégia empresarial.

É muito interessante também no Acordo de Paris, que estabelece esse mecanismo de corrida para adaptação. O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, instituto de pesquisa científica vinculada à ONU) aponta justamente para o fato de aquele que se adaptar melhor a estas condições, terá maior competitividade no mercado futuro. Então, essa janela de oportunidade é justamente é uma corrida por adaptação e vai funcionar de maneira parecida com o que a gente observa na biologia, onde os melhores adaptados sobreviverão. Quem estiver mais adaptado às condições que se desenham hoje e já estão presentes, melhor posicionado vai estar no capitalismo globalizado.

Esse é o momento. As pessoas precisam aproveitar essa janela de oportunidade. Os relatórios de risco apontam justamente para essa preocupação principal dos investidores em relação a Ação Climática, com a necessidade de ser bem-sucedida para conseguirmos a manutenção dos empreendimentos e das operações empresariais. Optar por tecnologia como catalisador e acelerador de soluções, de proposição, de cobrança e fiscalização. Eu acho o papel essencial das empresas.

Trago aqui o principal lema da COP que eu observei durante esse último ano que é “Agir Agora!” – “Act Now!”, como a gente lia em inglês pelos corredores do evento. Ainda há tempo: os cientistas apontam que a estamos no caminho de aumento de temperatura terrestre elevado, hoje em 1,2oC de aumento médio, com o objetivo da manutenção do 1,5oC até o final do século – não é até o final de 2030, mas ao final do século. Assim, precisamos de esforços para apresentar Contribuições Nacionalmente Determinadas alinhadas ao objetivo de 1,5oC. O que se espera dos países para esse próximo ciclo – não só dos países, mas dos diversos atores que compõem a sociedade – são compromissos até final de 2022 alinhados à manutenção da temperatura terrestre em até 1,5oC. Com o retorno dos Estados Unidos para o Acordo de Paris e com uma NDC um pouco mais ambiciosa submetida pela China, as perspectivas até 2030 apontam para um cenário de 1,8oC de aumento, bastante diferente do que a gente observava em 2020, que era um cenário de aumento de 2,7oC. Em um ano, diminuímos de 2,7 graus para 1,8, o que é um ponto de bastante otimismo, apesar de não ser 1,5 já é muito melhor do que 2,7. A gente caminha para a manutenção de 1,5 e há tempo para fazer, mas é preciso agir agora, o que exige trabalho.

Fabiano – Excelente. Há um otimismo, mas há muito trabalho pela frente e os compromissos devem ser cumpridos, certo?

Marina – Sim e acho que a principal temática desse ano que começa a se desenhar agora é justamente o monitoramento dos compromissos: não adianta mais você estabelecer metas ambiciosas se você não tem um plano de ação condizente. É isso que vai ser avaliado:  plano de ação que seja compatível ao aumento de 1,5oC. Até então, as decisões nacionais eram apresentadas conforme o que cada país conseguia contribuir, não eram necessariamente alinhadas a 1,5. Isso é uma grande movimentação e agora que vamos precisar de compromissos alinhados a este índice, vai obrigar essa necessidade de aumento de ambição e de cumprimento dos objetivos. Provavelmente veremos cenários mais interessantes daqui para frente e até 2030 temos uma boa janela de oportunidade que precisa ser aproveitada.

Fabiano – Muito bem, vamos continuar trabalhando e falando sobre isso. Infelizmente estamos chegando ao fim deste episódio do greenTALKS, um dos mais relevantes que já fizemos por aqui em razão não apenas da qualidade de nossa convidada, mas pela enorme relevância que este tema tem para o futuro dos negócios, das cidades, das nações e da própria sobrevivência da raça no planeta.

Marina, muitíssimo obrigado pela entrevista e por compartilhar seus conhecimentos conosco aqui no greenTALKS.

Marina – Ah, Fabiano, eu que agradeço, muito obrigada à green4T pelo convite. Estamos juntes, fico à disposição e nos vemos por aí em outros espaços. Muito obrigada.

Fabiano – Então é isso: se você gostou deste conteúdo, por favor, curta e compartilhe em suas redes sociais e também veja outros conteúdos relevantes sobre tecnologia que postamos em nosso blog Insights, no YouTube e em nossas mídias sociais. Muito obrigado por ficar com a gente até agora e até a próxima!